O orçamento é onde o poder Executivo revela por meio de ações concretas qual é o seu real programa e projeto para cada área de atuação do Estado. O governo liderado por Jair Bolsonaro enviou ao Congresso, no fim de agosto, sua proposta para o orçamento de 2023. A proposta mostra que a saúde deixou de ser uma prioridade do governo, com uma perda de mais de R$ 15 bilhões em relação ao Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2019. Segundo a Consultoria do Orçamento, Fiscalização e Controle do Congresso, é o menor orçamento em termos reais desde 2014¹.
A queda do PLOA 2019 para o PLOA 2023 deve ser de 11% em termos reais, estimando uma inflação de 5% para 2022 (o governo estimou em 7,2%). O que faz com que, em termos nominais, o valor da proposta seja R$ 3,7 bilhões maior do que o proposto para 2022, mas R$ 4,1 bilhões menor em termos reais. Em comparação ao orçamento aprovado em 2022 a queda é ainda maior em termos reais, R$ 16,6 bilhões, segundo a Consultoria do Congresso. O valor autorizado para o Ministério da Saúde para 2022 foi de R$ 162,99 bilhões, acima dos R$ 127,84 previstos pelo PLOA 2022, devido a alteração dos valores pelo poder Legislativo durante a discussão da proposta inicial, mas abaixo dos R$ 161,727 propostos no PLOA 2023.
“O PLOA estima um montante de aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) de R$ 149,9 bilhões, considerando o IPCA de 7,20% para 2022 utilizado na proposta. O total programado em ASPS está R$ 39,4 milhões acima do piso, atendendo, portanto, à Lei Complementar nº 141, de 2012, porém com duas ressalvas.
A primeira refere-se à consideração como ASPS de R$ 634,7 milhões alocados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que deixou de ser unidade orçamentária supervisionada pelo Ministério da Saúde em razão da Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019), deixando de se enquadrar, portanto, no critério da Lei Complementar nº 141, de 2012.
A segunda relaciona-se com a contabilização como ASPS de R$ 9,9 bilhões em reserva específica destinada ao atendimento de emendas de relator-geral. Em razão do veto ao § 7º do art. 13 da LDO 2023 (pendente de apreciação pelo Congresso Nacional), a classificação dessa reserva como ASPS não encontra previsão legal. Dessa forma, caberá ao Parlamento, após a inclusão de todas as emendas, efetuar os eventuais ajustes necessários para que o Autógrafo atenda ao piso constitucional e às disposições da Lei Complementar nº 141, de 2012.”
O Executivo destinou reservas específicas para ao atendimento de emendas individuais, R$ 5,9 bi (EC nº 86/2015), de bancada estadual com execução obrigatória, R$ 3,8 bi (EC nº 100/2019) e de relator-geral R$ 9,9 bilhões. E carimbou 51% da reserva de contingência destinada a atender as emendas do relator para poder cumprir o mínimo constitucional na função saúde. O artifício do governo não tem previsão legal segundo a consultoria do orçamento do Congresso Nacional. Os valores reais do orçamento por subfunção constante do relatório da consultoria do poder Legislativo mostra as reduções expressivas de aporte a atenção básica e hospitalar na proposta do governo para 2023.
A análise mais detalhada dos programas realizada pelo Dieese mostra que algumas ações tiveram perdas significativas tanto em termos proporcionais como absolutos, algumas poucas, contudo, aumentaram sua verba. Os dados refletem a comparação dos valores nominais, que podem ser maiores se contabilizada a inflação prevista para 2022:
1. A ação “21BG - Formação e Provisão de Profissionais para a Atenção Primária à Saúde”, que faz parte do programa de atenção básica de saúde, perdeu R$ 2,3 bilhões em relação à proposta feita e aprovada para 2022, uma queda de 78%;
2. A ação “20YR - Manutenção e Funcionamento do Programa Farmácia Popular do Brasil Pelo Sistema de Gratuidade” perdeu R$ 1,2 bilhão em relação à proposta e à dotação inicial para 2022, uma queda de 59%;
3. A ação complementar “20YS - Manutenção e Funcionamento do Programa Farmácia Popular do Brasil pelo Sistema de Co-pagamento” teve queda de 60% em relação à LOA 2022;
4. A ação “20AL - Incentivo Financeiro aos Estados, Distrito Federal e Municípios para a Vigilância em Saúde” perdeu R$ 1,4 bilhão em relação ao PLOA e à LOA 2022, uma queda de 48%;
5. A ação “20YP - Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena” perdeu R$ 880 milhões ou 60% da verba em relação a 2022;
6. A ação “219A - Piso de Atenção Básica em Saúde”, que faz parte do programa de fortalecimento da atenção básica de saúde, perdeu R$ 2,24 bilhões, ou 11% da verba prevista pela LOA 2022;
7. A ação “4370 - Atendimento à População com Medicamentos para Tratamento dos Portadores de HIV/AIDS e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis” perdeu R$ 267 milhões em relação à LOA 2022, queda de 13%;
8. As ações “20AG - Apoio à Gestão dos Sistemas de Saneamento Básico em Municípios de até 50.000 Habitantes” e “8753 - Monitoramento, Avaliação e Gestão da Informação Estratégica em Saúde” perderam, cada uma, 45% da verba prevista na LOA 2022;
9. A ação “20YD - Educação e Formação em Saúde” perdeu R$ 965 milhões pela proposta do governo para 2023, em relação à LOA 2022;
10. A ação “21BF - Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação em Saúde”, que faz parte do programa “5020 - Desenvolvimento Científico, Tecnológico e Produtivo em Saúde” perdeu 65% da sua verba na proposta do governo para 2023, em relação à LOA 2022;
11. A ação “4705 - Apoio Financeiro para Aquisição e Distribuição de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica” teve aumento de R$ 1,17 bilhão em relação à LOA 2022, ou 15% a mais sem contar a inflação de 2022;
12. A ação “8727 - Aperfeiçoamento do Sistema de Informação para Saúde Suplementar” ganha R$ 9,9 milhões a mais ou 23% em relação à LOA 2022;
13. A ação “4368 - Promoção da Assistência Farmacêutica por meio da aquisição de medicamentos do Componente Estratégico” teve aumento de R$ 5,35 milhões.
Algumas ações relevantes que não tinham dotação anterior e que são novas ações têm também aporte expressivo programado no PLOA 2023:
1. As ações “00UB - Transferência aos Entes Federativos para o Pagamento dos Vencimentos dos Agentes de Combate às Endemias” e “00UC - Transferência aos Entes Federativos para o Pagamento dos Vencimentos dos Agentes Comunitários de Saúde”, que fazem parte respectivamente dos programas de vigilância em saúde e atenção básica em saúde, tem previsão de R$ 2 bi e R$ 7,9 bilhões para 2023, respectivamente;
2. A ação “21DX - Manutenção de Contrato de Gestão com a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS) – Programa Médicos pelo Brasil”, antigo Mais Médicos, tem aporte de R$ 813 milhões. Mas, a ação do Mais Médicos “214U - Implementação do Programa Mais Médicos”, encerrada em 2019, teve naquele ano R$ 3,6 bilhões de orçamento.
¹ Congresso Nacional. NOTA TÉCNICA CONJUNTA NO 5/2022. SUBSÍDIOS À APRECIAÇÃO DO PROJETO DE LEI ORÇAMENTÁRIA (PLOA) PARA 2023PL Nº 32/2022-CN, setembro de 2023. Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle – CONORF (SF) e Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira – CONOF (CD).
Análise elaborada pela Subseção do DIEESE/CONTAG – Alexandre Ferraz