CARTA MANIFESTO EM DEFESA DAS ESCOLAS DO CAMPO
O desmonte dos programas e políticas educacionais no Brasil de hoje denuncia a total falta de compromisso com o princípio constitucional da educação pública, gratuita e de qualidade da Constituição Federal (CF) de 1988 como um direito a todos os brasileiros e brasileiras.
As Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, frutos das lutas dos movimentos educacionais, afirmam que a educação abrange “os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Estabelece também que deve ter como base de sustentação os princípios de liberdade ideais de solidariedade humana.
Nas duas últimas décadas, o Brasil obteve importantes conquistas na educação. Na educação pública, destaca-se a aprovação da Lei nº 13.005, de junho de 2014, do Plano Nacional de Educação (PNE), onde estabelece que, até o final de sua validade (2024), 10% do Produto Interno Bruto (PIB) devem ser destinados à educação. Ainda com relação ao PNE, é importante destacar como avanço a existência de 16 estratégias voltadas especificamente para a educação do campo.
Na Educação do Campo, o Decreto Presidencial nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, dispõe sobre a Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e possibilitou a criação do Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo), com quatro eixos específicos para as escolas do campo: (i) Gestão e Práticas Pedagógicas; (ii) Formação Inicial e Continuada de Professores; (iii) Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional; e, (iv) Infraestrutura Física e Tecnológica. Com a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), pelo Decreto nº 9.465/ 2019, a maioria destas ações se encontra paralisada.
Agravando ainda mais a situação, o ajuste fiscal e o teto de gastos públicos impostos pela Emenda Constitucional Nº 95 têm inviabilizado qualquer possibilidade de cumprimento do princípio constitucional, promovido profundas desigualdades e o desmonte dos direitos sociais. Em 2020, os recursos destinados à educação estavam em torno de 5,5% do PIB, ou seja, bem distante dos 10% estabelecidos no PNE.
Nos municípios, por exemplo, a vida dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem no campo tende a se agravar ainda mais se as escolas no campo continuarem sendo fechadas. De acordo com o Censo Escolar, somente de 2014 a 2019 foram fechadas um total de 12.196 escolas rurais, entre elas estão as federais, estaduais, municipais e privadas, ou seja, tem-se em média de 2.032 escolas/ano sendo fechadas.
O fechamento das escolas do campo prejudica as comunidades rurais e compromete a permanência de suas famílias no campo, pois o fato de as crianças, adolescentes e jovens terem que se deslocar até as cidades para estudar, contribui para a descaracterização de sua identidade. O descaso do Estado com a educação também corrobora com a ampliação da visão neoliberal de ensino do agronegócio no campo, comprometendo, assim, os saberes tradicionais e populares, o modo de vida e a produção agroecológica, pois o que acaba prevalecendo é o incentivo ao trabalho nas empresas e fazendas do agronegócio.
Com esta campanha, a CONTAG, as Federações e os Sindicatos vêm se somar à Frente em Defesa das Escolas do Campo, definida pelo Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec), como uma de suas três principais frentes de atuação. Entendemos que só será possível mudar essa realidade com a construção de estratégias coletivas em defesa da educação pública e da educação do e no campo. E, por essa razão, está propondo a realização da Campanha Raízes se Formam no Campo - Educação Pública e do Campo é um Direito Nosso, envolvendo movimentos sociais, sindicais, instituições de ensino e profissionais da educação. Os objetivos centrais da Campanha são:
1. Denunciar o fechamento das escolas do campo, o desmonte da política pública de educação brasileira e defender a permanência e a construção de mais escolas no campo;
2. Pautar, na sociedade, a defesa de uma educação emancipadora fundamentada na dialogicidade, na práxis, na transformação social, na autonomia e na participação dos sujeitos sociais, em conformidade com o legado do patrono da educação brasileira Paulo Freire;
3. Incidir na política de educação a ser elaborada e desenvolvida pelos prefeitos e prefeitas, vereadores e vereadores recém-eleitos e eleitas, e comprometê-los(as) com a construção de uma política de educação pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade;
4. Discutir a importância da educação do campo para a permanência dos agricultores e agricultoras familiares no campo, respeitando e valorizando todo um modo de vida no campo em que se preservem suas culturas, saberes e suas formas de produção e de convivência com a natureza.
A referida Campanha contará com um amplo processo de mobilização, sensibilização e conscientização envolvendo movimentos sociais, sindicais e populares, as instituições de ensino, professores e professoras, estudantes do campo e da cidade e gestores municipais, na sua construção, fazendo os debates necessários e propondo um conjunto de ações que visem o fortalecimento da Educação do Campo, dentre as quais destacamos:
1. Reforma e construção de novas escolas no campo, com projeto arquitetônico alinhado ao contexto do campo, assegurando transporte escolar seguro e de qualidade, materiais e livros didáticos, biblioteca, áreas de lazer e desporto;
2. Elaboração de diretrizes operacionais de educação do campo, estaduais e municipais, conforme orientações das Resoluções nº 01/2002 e nº 02/2008 do CNE/CEB;
3. Garantia da participação da comunidade escolar no processo de deliberação sobre o fechamento ou não das escolas do campo, assim como preconiza a Lei nº 12.960/2014 e a Portaria nº 391/2016;
4. Elaboração de projetos políticos pedagógicos e ajustes em sua grade curricular, permitindo a inserção de conteúdos que contribuam com a construção do conhecimento e preserve a cultura, a identidade e os modos de vida das populações que residem no meio rural, citando a exemplo: desenvolvimento rural, territorialidade, agricultura familiar, questão agrária, agroecologia, gênero, geração, raça, etnia, participação social, dentre outros;
5. Garantia de produtos da agricultura familiar na alimentação escolar, nas escolas urbanas e rurais, conforme a Lei nº 11.947/2009, que estabelece o mínimo de 30% (trinta por cento) dos recursos do Pnae para a aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural; e,
6. Reconhecimento de Paulo Freire como patrono da educação brasileira e a importância do seu legado para a construção da educação do campo.
A educação tem um papel essencial na construção de uma sociedade justa, democrática e solidária. Enquanto classe trabalhadora, devemos unir forças, lutar e projetar o futuro das nossas instituições e do Brasil. A hora é de solidariedade, de apoio às iniciativas que rompam com o cerco de fechamento das escolas e de descaso com a política de educação de nosso País.
A CONTAG, as Federações e os Sindicatos entendem que é preciso somar esforços e que a Campanha Raízes se Formam no Campo será um importante instrumento em defesa da educação pública e do campo. É preciso reinventarmos o jeito de estarmos no mundo, de ressignificar a vida em suas várias dimensões. Na dimensão coletiva da luta é tempo de (re)criar, de (re)construir novos caminhos, de nos desafiarmos a estabelecer um projeto coletivo de humanidade. De refletirmos sobre a que projeto de sociedade daremos lugar. Que nossas lutas fortaleçam a construção do projeto popular de sociedade que supere a opressão e possibilite a transformação social.
Reafirmar que a EDUCAÇÃO PÚBLICA E DO CAMPO É UM DIREITO NOSSO!
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES RURAIS AGRICULTORES E AGRICULTORAS FAMILIARES - CONTAG
FEDERAÇÕES ESTADUAIS DE TRABALHADORES RURAIS AGRICULTORES E AGRICULTORAS FAMILIARES - FETAGs
SINDICATOS DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS - STTRs