O combate à informalidade é um pré-requisito para o desenvolvimento do país, e deveria estar no topo da agenda do governo e dos sindicatos
A informalidade é uma das principais características do subdesenvolvimento brasileiro, escancarada no enorme contraste entre a “formalidade” predominante nos países desenvolvidos e a “informalidade” no restante dos países (Gráfico 1). Nos negócios, como no mercado de trabalho a informalidade impõe um enorme custo para o país, cujo mercado de produtos piratas, falsificados e contrabandeados é só a ponta do iceberg. Pesquisa recente, estima que o país deixou de gerar mais de 370 mil empregos diretos com carteira assinada, em 2022, devido ao mercado ilegal. Não há como negar o fracasso do Estado em estabelecer o império da lei no mercado de trabalho, expondo a sociedade à terra sem lei das “áreas marrons”.
Gráfico 1. Taxa de informalidade do emprego para países selecionados (2022).
Fonte: Organização Internacional do Trabalho (ILOSTAT). Bizimana e Arzoumanian (2023). Photo: Reprodução
O mercado de trabalho é um dos mais atingidos pela informalidade, privando o trabalhador de direitos básicos restritos aos contratos formais como férias remuneradas, décimo terceiro, aposentadoria, licença maternidade ou por motivo de saúde, FGTS, seguro desemprego etc. Além de expor o trabalhador a condições de trabalho precárias, riscos de acidentes, jornadas exaustivas, quando não ao trabalho análogo a escravidão. O Brasil possui pouco mais de 100 milhões de ocupados, 13% no setor público. Nada menos do que 60%, dos 87 milhões que trabalham na iniciativa privada, estão na informalidade.
A maior parte dos informais trabalha por conta própria sem CNPJ, são 19 milhões, ou 3 em cada 4 trabalhadores nesta situação. No lado dos empregadores, a proporção se inverte, mas ainda assim cerca de 1/5 deles não tem registrado no Cadastro nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Além de sonegar (IOF, Cofins, IRPJ, ICMS, ISS, INSS), e expor a sociedade a enormes riscos materiais, os empregadores ilegais contribuem também para não recolhimento das verbas trabalhista dos seus funcionários informais.
Entre os empregados, a situação mais grave é a do trabalhador doméstico. São quase 4,5 milhões de trabalhadores domésticos sem carteira assinada. Mesmo no setor privado, que emprega pouco mais da metade dos trabalhadores ocupados, a informalidade está longe de ser a exceção. Praticamente 1 em cada 4 brasileiros no setor privado não têm nenhuma das proteções legais previstas na lei, e o Estado tem sido incapaz de mudar esta realidade nas últimas décadas. São cerca de 13,4 milhões de empregados sem carteira no setor privado. Na média, 75% dos empregados domésticos e 26% dos empregados do setor privado são trabalhadores informais, mas a variação é grande a variação entre os estados (Gráfico 2).
Gráfico 2. Taxa de informalidade entre os empregados no setor privado e doméstico.
Fonte: PNADC/IBGE(Photo: Reprodução)Reprodução
O trabalhador informal não está sujeito apenas a salários menores, maior rotatividade etc. mas muitas vezes está sujeito também a toda uma vida informal, ligação de água e esgoto, luz, e moradia, transporte informal para ir ao trabalho e os pertences comprados no mercado informal. A ausência prática de direitos legais, poucas vezes reivindicada na justiça, dado o alto custo, pouco acesso e ignorância é o que chama mais atenção. Um bom exercício para pensar o preço que a sociedade paga pela informalidade, ao menos no setor privado, que sua face mais perversa, pode ser feito com uma simples “conta de padeiro”, como se costumava dizer.
No manual de economia, o trabalhador escolhe entre trabalho e lazer, garantindo a oferta eficiente de trabalho. Mas na prática, sabemos que a grande maioria dos trabalhadores não tem a opção de não trabalhar, sendo obrigado muitas vezes a aceitar qualquer trabalho para não passar fome e poder sustentar sua família. Não é à toa, que apesar dos programas sociais de garantia de renda como o Bolsa Família, o salário médio dos ocupados sem carteira é em alguns casos menor do que o salário mínimo, hoje em R$ 1.412.
Isso vale para os trabalhadores domésticos sem carteira que recebem em média R$1.019, contra uma média de R$ 1.695 entre os com carteira assinada, segundo os dados d PNADc para o 1º trimestre de 2024. E para os empregados no setor privado sem CLT, que recebem em média de R$ 2.182, enquanto os com CLT recebem R$ 2.896, no país. Na média, os trabalhadores informais no setor privado recebem 25% a menos do que os formais, e os trabalhadores domésticos 40% a menos.
Gráfico 3. Número de trabalhadores informais no primeiro trimestre de 2024.
Fonte: PNADC/IBGE Reprodução
Fazendo uma conta simples, apenas para os empregados informais no setor privado, excluindo os trabalhadores domésticos, vemos que os empregadores deixam de pagar cerca de R$ 30,4 bilhões apenas com FGTS (8% do salário mensal). O trabalhador informal fica também sem o 1/3 de férias, e 13º salário, que somados dão outros R$ 39 bilhões. Cada trabalhador deixa de ganhar assim cerca de 5.179 por ano, sem contar o mês de férias remuneradas que o trabalhador informal não tem direito.
Os patrões deixam também de pagar o INSS, com alíquota de 20%, equivalendo a outros R$ 76 bilhões, o que contribuindo para aumentar o rombo da previdência, privando o trabalhador da aposentadoria e pressiona os gastos com o Benefício de Prestação Continuada para o idoso. Por fim, não pagam também o PIS, que financia o seguro desemprego, uma sonegação equivalente a R$ 6,2 bilhões por ano, somando ao todo mais de R$ 151 bilhões devidos ao estado e ao trabalhador que são apropriados indevidamente pelos empregadores do setor privado. O combate à informalidade é um pré-requisito para o desenvolvimento do país, e deveria estar no topo da agenda do governo e dos sindicatos, em consonância com os objetivos da Meta 8 do desenvolvimento sustentável.
Por Alexandre Ferraz / Técnico do Dieese, economista e doutor em Ciência Política