Ao longo dos últimos anos vem se intensificando um debate que amplia a consciência na sociedade da importância de uma alimentação saudável, produzida por um sistema agroalimentar que não dependa do esgotamento dos recursos naturais e que não seja subordinado a um pacote químico que envolve sementes geneticamente modificadas, fertilizantes químicos e agrotóxicos. Já há uma compreensão de que esse modo de produção que concentra terra, desmata, degrada os bens da natureza e monopoliza a distribuição de alimentos, causa impactos não só ao meio em que vivemos, como também adoece e mata nossa população. Nossas crianças estão expostas desde o ventre materno a substâncias que, comprovadamente, causam diversos e graves distúrbios celulares, exposição que segue ao nascerem, via aleitamento materno ou alimentação. As trabalhadoras e os trabalhadores na agricultura são ainda mais expostos, pois mesmo que façam a escolha de produzir comida sem veneno não ficam livres da contaminação ao seu redor, tendo muitas vezes suas casas e plantações atingidas por chuvas de veneno que são despejadas por meio da pulverização aérea.
Nos anos de 2017 e 2018 se intensificaram esses debates no cenário legislativo, pois estavam em funcionamento duas comissões especiais na Câmara dos Deputados. Uma que analisava o PL nº 6299/2002 que cria uma nova legislação de agrotóxicos no país e outra que analisava o PL nº 6670/2016 que trata da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos - PNARA, que teve origem na Comissão de Legislação participativa desta casa. Neste período foi lançada também uma plataforma digital, que até o momento já coletou mais de 1.700.000 assinaturas de pessoas que se manifestam contrárias ao PL nº 6299/2002 e favoráveis ao PL nº 6670/2016 (https://www.chegadeagrotoxicos.org.br/).
Uma pesquisa IBOPE encomendada pelo Greenpeace em 2016 mostrou que:
81% dos brasileiros acham alta ou muito alta a carga de agrotóxicos aplicada nas lavouras;
82% dos brasileiros creem ser muito importante um político apresentar propostas para uma merenda escolar sem agrotóxicos na rede pública de ensino;
59% dos entrevistados disseram que o fato de um político ter como prioridade a introdução de alimentos sem agrotóxicos na merenda escolar faria o entrevistado ter uma imagem mais positiva desse político.
Isso mostra que temos uma sociedade que não está dividida a respeito da necessidade de uma agricultura mais sustentável e menos tóxica, que sabe o quanto isso é necessário e urgente, mas que depende que seus parlamentares ouçam suas necessidades e as transformem em políticas públicas.
Mais recentemente, entre 15 de junho e 06 de julho do corrente ano, um conjunto de frentes parlamentares e organizações da sociedade civil organizaram um ciclo de debates virtuais se debruçando mais uma vez sobre esse tema. E estabelecendo importante e fundamental espaço de diálogo entre parlamento e sociedade, mesmo com toda a complexidade e desafios que a pandemia trouxe para a participação social.
Nesta ocasião, importantes estudos realizados recentemente foram apresentados. Um destes, mostrou que frutas do Brasil, exportadas para a Alemanha, apresentaram resíduos de agrotóxicos proibidos naquele país. Já outro detectou presença de agrotóxicos em alimentos industrializados, consumidos pela população brasileira, sendo que o glifosato esteve presente em mais da metade dos produtos analisados e que todos os produtos que tinham trigo como ingrediente, continham agrotóxicos. Fatos esses preocupantes em duas dimensões, uma que pode afetar as exportações brasileiras e outra que atinge diretamente a saúde da população.
Com o acúmulo destas discussões, nos dirigimos a vossa senhoria para apresentar nosso posicionamento referente aos projetos de lei aqui já citados e que melhor detalhamos na tabela comparativa ao final deste documento:
De um lado, existe o PL nº 6299/02, que altera o marco regulatório dos agrotóxicos mas não em um sentido mais protetivo, pelo contrário, é ainda mais permissivo em relação aos agrotóxicos, negligenciando o princípio da precaução, o que coloca a saúde da sociedade e o meio ambiente em risco;
Por outro lado, o PL nº 6670/16 que propõe uma redução de agrotóxicos, com medidas nada extremistas, que gradualmente levarão o Brasil para uma produção mais sustentável, o que será benéfico para a agricultura e toda a sociedade brasileira.
Somam-se às preocupações aqui apontadas com o contexto dos agrotóxicos, a grave situação de saúde e fome que atravessa nosso país, ocasionada pela pandemia de Covid19, que sobrecarrega nosso eficiente, porém subfinanciado sistema de saúde pública.
A fome é uma questão endêmica no Brasil e se alastra ainda mais nesse gravíssimo momento. Atualmente cerca de metade da população do país está em algum nível de insegurança alimentar, isto é, sem acesso pleno a alimentação, e destes, 19 milhões vivem em insegurança alimentar grave, isto é, passam fome. Isto deixa evidente que os sistemas que regem nossa sociedade tem privilegiado muitos enquanto prejudica tantos outros. É inadmissível que no mundo atual pessoas ainda percam a vida por conta da fome ao mesmo tempo em que se tem uma produção agrícola gigantesca, mas que, no entanto, não está voltada para atender esta demanda, mas sim para atender a necessidades e interesse econômicos. É obrigação civil e parlamentar questionar esse modelo alimentar e agrícola.
A decisão de colocar em pauta na Câmara dos Deputados medidas que tragam atrasos para a sociedade durante a pandemia representa um contrassenso no enfrentamento de tais questões estruturais. Neste momento, o que se espera desta casa é que esteja centrada em conter os impactos sociais e econômicos que a pandemia de Covid-19 tem causado.
O povo precisa de um Estado que garanta medidas de proteção à saúde, e que a própria legislação e a regulação de agrotóxicos assegurem maior proteção aos biomas, ecossistemas, bens da natureza, a vida das pessoas e dos animais.
Desta forma, recomendamos a esta casa legislativa que:
Não seja colocado em votação o PL nº 6299/2002
Que seja colocado em votação o PL 6670/2016 que propõe a redução do uso de agrotóxicos
Agrotóxico Mata!
Chega de Agrotóxico!
Assinam esta carta:
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
ACT Promoção da Saúde
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO
Articulação Nacional de Agroecologia
Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra
Movimento dos Pequenos Agricultores
Movimento de Mulheres Camponesas
MPP - Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais
Terra de Direitos
Associação Agroecológica Tijupá
Instituto Brasil Orgânico
Associação Brasileira de Agroecologia - ABA
Fórum Catarinense de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FCSSAN)
Fórum Catarinense de Economia Solidária (FCES)
Movimento de Mulheres Camponesas
Central das Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas
Movimento Ciência Cidadã
Núcleo Agrário do PT na Câmara dos Deputados
MMTU Movimento de Mulheres Trabalhadoras Urbanas - São Miguel do Oeste/SC
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares CONTAG
ABDSul - Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul
Associação Esperança de um Novo Milênio
ACAMPRA - Associação Camponesa de Produção da Reforma Agrária do Município de Uberlândia
APOMS - Associação dos Produtores Orgânicos do Mato Grosso do Sul
Movimento Camponês Popular MCP
Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro- ABIO
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Idec
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE
Associação Brasileira da Reforma Agrária - ABRA
Comissão de Presidentes e Presidentas dos CONSEAs Estaduais (CPCE)
Slow Food Brasil
Greenpeace Brasil
FIAN Brasil
Central Única dos Trabalhadores - CUT
Fórum de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
WWF FONTE: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida