A CONTAG está divulgando uma série de artigos sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7052, proposta pela Confederação em parceria com a CPT, que trata das transferências de terras da União aos estados do Amapá, de Rondônia e de Roraima.
Os artigos explicam os objetivos desta ação, o que é uma ADI, sobre a legislação vigente de transferência de terras, a destinação para a reforma agrária e a obrigação dos estados.
Este quarto artigo, produzido pelo Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho, trata da transferência de terras federais para os estados e a reforma agrária.
A Adin 7.052 que a CONTAG apresentou ao STF postula que o Tribunal declare serem as terras transferidas obrigatoriamente aplicadas em programas de distribuição a agricultores e agricultoras familiares, ou sem terras, mediante observância dos programas de reforma agrária e de regularização fundiária que observem o padrão constitucional correspondente e a função social da propriedade, conforme estabelecido na Constituição, destaca trecho do artigo.
Confira, abaixo, o artigo na íntegra:
A transferência de terras federais para os Estados e a reforma agrária
As Leis nº. 10.304 e 13.465 autorizaram a União a transferir e doar terras federais não utilizadas aos estados de Roraima, Amapá e Rondônia. As leis referidas por isso excluíram das transferências as que estivessem aplicadas a finalidades públicas federais permitindo a entrega das que estivessem vagas ou não utilizadas. Essas glebas quando não têm destinação especial para o serviço federal têm, então, a finalidade de propiciar aos estados espaço territorial para a execução de suas políticas agrárias e agrícolas pois são terras rurais.
Como a Constituição, no entanto, estabeleceu que as terras rurais da União que não estiverem aplicadas a fins administrativos ou de defesa nacional devem ser direcionadas para a reforma agrária (art. 188), em regra não podem ter destinação diversa, ao menos no que diz respeito a essa finalidade. Desse modo, se as leis referidas autorizaram a entrega delas aos estados, isso então significa que, embora não mais pertencentes à União, os estados estão vinculados a essa mesma finalidade.
Em outros termos, as leis mencionadas podem alterar a titularidade das terras, mas não podem modificar a destinação delas. Para compreender o sentido dessa afirmação, basta compreender o que constitui a reforma agrária e a função social da propriedade.
De acordo com o Estatuto da Terra (Lei 4504/64), a reforma agrária é o conjunto de medidas que visam promover a melhor distribuição da terra mediante a modificação do regime de uso e posse dela para atender a justiça social, porque é assegurada a todos a oportunidade de acesso a propriedade das terras condicionada a sua função social... com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.
Nesse sentido, diz esta lei, que as terras da União que não tenham destinação específica e as devolutas terão prioridade para a reforma agrária assim como as terras particulares que não atendam a sua função social, as quais serão desapropriadas, sendo todas incorporadas aos programas de reforma agrária. Excetuam-se apenas as terras com ocupação indígena, quilombola ou de comunidades tradicionais, as áreas de preservação ambiental e as de exploração direta pela União.
Assegura ainda o Estatuto que as terras rurais que vierem a ser incorporadas por desapropriação só poderão ser distribuídas sob forma de: a) propriedade familiar; b) ou aos trabalhadores que tiverem terras insuficientes; c) ou para formação de glebas com exploração por cooperativas ou associações; d) ou para conservação ou reflorestamento.
Por isso, desde a Lei 8.629/93 não se admite a existência de imóveis rurais de propriedade pública (União e Estados) com objetivos diversos dos assim previstos (art. 13).
De outra parte, as propriedades em geral que não cumprirem a função social ficam sujeitas a desapropriação (Lei 8.629/93), e se considera cumprida essa função quando simultaneamente há: a) o aproveitamento racional e adequado das terras; b) a utilização é adequada e compatível com os recursos naturais e a preservação do meio ambiente; c) quando são observados os direitos trabalhistas e as disposições que regulam as relações de trabalho; d) e quando há a preservação do bem-estar de trabalhadores e proprietários.
O uso e posse de terras públicas deve ainda ser compatível com as políticas agrícolas, assim como as medidas e ações de reforma agrária.
Essa é, em resumo, a política jurídico-administrativa construída pela legislação comum que reproduz o regime constitucional e que está inteiramente afinada com as regras constitucionais relativas à reforma agrária e à função social da propriedade, as quais não podem ser alteradas sem implicar em retrocesso e prejuízo aos direitos decorrentes desse regime.
Trata-se aí de vedação de retrocesso que é também um princípio constitucional que guarnece os direitos e garantias individuais.
Assim, quando uma lei posterior dispõe de modo diferente daquele mais favorável e que já estabeleceu as garantias da desapropriação e reforma agrária em favor da justa distribuição das terras. Em caso de mau uso da propriedade, ela se sujeita pois ao controle e desaprovação judicial porque o sistema constitucional não se compadece e não tolera regras que ofendem seus princípios e postulados.
Ante esse quadro, as leis mencionadas que autorizam a transferência de terras da União aos estados devem ser lidas e interpretadas em inteira convergência com os princípios, regras e postulados constitucionais da reforma agrária. E assim, tanto a União não pode entregar terras indicadas que estejam logicamente excluídas quanto os estados, ao receberem-nas, não podem dar-lhes destinação ou finalidade diversas da dos planos de reforma agrária ou de distribuição aos trabalhadores a quem a Constituição e a lei garantem acesso à terra e à propriedade.
Nessa linha, a Adin 7.052 que a CONTAG apresentou ao STF postula que o Tribunal declare serem as terras transferidas obrigatoriamente aplicadas em programas de distribuição a agricultores e agricultoras familiares, ou sem terras, mediante observância dos programas de reforma agrária e de regularização fundiária que observem o padrão constitucional correspondente e a função social da propriedade, conforme estabelecido na Constituição.
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Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho FONTE: Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho