A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG, entidade representativa de vinte e sete Federações e cerca de quatro mil sindicatos em todo o território nacional, manifesta-se veementemente contrária à aprovação do Projeto de Lei nº 4497/2024, que altera a Lei nº 13.178/2015 para flexibilizar os critérios de ratificação de registros imobiliários em áreas de fronteira.
A CONTAG entende que a aprovação desse projeto contraria frontalmente o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5623/2016, ajuizada pela própria Confederação, e representa um grave retrocesso jurídico, social e ambiental na política de destinação e regularização de terras públicas da União.
1. Desrespeito à decisão do STF na ADI 5623/2016
Em 2023, o STF julgou a ADI 5623, de autoria da CONTAG em parceria com outras organizações do Campo, atribuindo interpretação conforme à Constituição aos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 13.178/2015, estabelecendo que a ratificação dos registros imobiliários em faixas de fronteira somente pode ocorrer se respeitados os princípios constitucionais da função social da propriedade (art. 186), da política agrícola e do plano nacional de reforma agrária (art. 188), além das garantias de proteção às terras indígenas, quilombolas e áreas de preservação ambiental.
O Supremo determinou ainda que a União, por meio do INCRA, é o ente responsável por verificar se as áreas que pleiteiam ratificação cumprem tais requisitos, reafirmando o caráter público e imprescritível das terras federais. Essa decisão teve como fundamento a necessidade de evitar a legalização de grilagens históricas e o aumento da concentração fundiária em áreas sensíveis do território nacional.
O PL 4497/2024, entretanto, esvazia completamente a decisão do STF, ao propor que:
• a ratificação seja feita automaticamente pelos cartórios de registro de imóveis, mediante simples apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR);
• o cumprimento da função social seja presumido, sem qualquer vistoria ou avaliação do INCRA;
• e a União tenha prazo limitado para contestar irregularidades, com a decadência do direito estatal após cinco anos.
Essas alterações subvertem o regime constitucional das terras públicas e eliminam o controle estatal e social sobre o cumprimento da função social da propriedade.
2. Risco de legitimação de grilagens e ampliação da concentração fundiária
O projeto abre espaço para que grandes áreas de terras devolutas federais — inclusive acima de 2.500 hectares — sejam ratificadas com base em meras declarações de posse, fragilizando o papel da União e do Congresso Nacional na aprovação de títulos de grandes imóveis em faixas de fronteira.
A proposta substitui o princípio da função social comprovada pela presunção de boa-fé do particular, desconsiderando o histórico de ocupações ilegais e de violência fundiária em regiões fronteiriças. Essa flexibilização pode legitimar títulos nulos e anular a prioridade da política de reforma agrária e regularização fundiária para agricultores familiares e comunidades tradicionais, em frontal violação ao art. 188 da Constituição Federal.
3. Impactos sociais e ambientais
Ao afastar a necessidade de comprovação da função social e de laudo técnico, o PL 4497/2024 fragiliza a governança fundiária e ambiental, prejudicando a preservação de ecossistemas estratégicos, a proteção de comunidades indígenas e quilombolas e a destinação de terras públicas para fins de reforma agrária.
A aprovação da proposta significaria institucionalizar a grilagem de terras públicas, promovendo a anistia a ocupações irregulares, consolidando privilégios e aprofundando as desigualdades no campo brasileiro.
4. A posição da CONTAG
A CONTAG reafirma que a ratificação de títulos e registros imobiliários em terras públicas deve obedecer aos preceitos constitucionais, garantindo a destinação social, produtiva e ambientalmente responsável dessas áreas. O cumprimento da função social da terra é cláusula essencial do pacto constitucional e não pode ser relativizado por interesses privados.
A entidade conclama o Senado Federal a retirar o PL 4497/2024 da pauta de votação e a promover um amplo debate público com os movimentos sociais, organizações da sociedade civil, o INCRA e os órgãos ambientais, assegurando que qualquer alteração legislativa seja compatível com os princípios constitucionais da reforma agrária e da soberania nacional sobre as terras de fronteira.
5. Em defesa da Constituição e da soberania nacional
A faixa de fronteira têm importância estratégica para a soberania, a segurança e o desenvolvimento nacional. Flexibilizar sua destinação é abrir caminho para a apropriação privada de bens públicos, para o avanço de interesses econômicos estrangeiros e para a exclusão das famílias agricultoras que produzem alimentos e mantêm viva a agricultura familiar.
A CONTAG reafirma seu compromisso histórico com a função social da terra, com a democratização do acesso à propriedade rural e com o fortalecimento das políticas públicas que garantam dignidade e justiça social no campo.
Por isso, declara-se terminantemente contrária ao PL 4497/2024 e reivindica a sua imediata retirada de pauta, em respeito à Constituição Federal e à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5623/2016.
Brasília-DF, outubro de 2025.
DIRETORIA DA CONTAG