A sobretaxa imposta pelo governo de Donald Trump sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA tem impactos consideráveis sobre todos os estados que comercializam seus produtos com aquele país.
Em abril, o governo americano impôs uma taxa de 10% sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA e, no começo de julho, anunciou uma segunda sobretaxa de 40%, totalizando 50%. Posteriormente, estabeleceu uma lista de exceções com 694 produtos que ficaram isentos da taxação de 50%, entre outros, produtos minerais, aeronaves da Embraer e seus componentes, suco de laranja, petróleo bruto, polpa de madeira, produtos energéticos, celulose. Em 6 de agosto a sobretaxa de 50% entrou em vigor.
Atualmente, os Estados Unidos são o segundo país importador do Brasil, perdendo apenas para a China, e têm sido o destino de 12% do total das exportações brasileiras. Cabe registrar que as exportações para o mercado norte-americano já foram superiores a 20%, ou seja, a dependência do Brasil em relação aos EUA tem se reduzido.
Desde 2009 os EUA têm tido superávit nessas transações comerciais: em 2024, por exemplo, exportaram para o Brasil US$ 40,652 e importaram US$ 40,368 bilhões, o que representou um superávit de US$ 284 milhões para os EUA e, portanto, um déficit de mesmo valor para o Brasil.
Balança Comercial com os EUA - 2024
Fonte: ComexStat-MDIC
Os principais produtos exportados para os Estados Unidos são, na sua grande maioria, de baixo valor agregado, como, entre outros, combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da destilação; ferro fundido, ferro e aço e reatores nucleares; aeronaves; carne; madeiras e frutas.
A grande maioria dos estados brasileiros tem os Estados Unidos como comprador de seus produtos, sendo a Região Sudeste a maior exportadora e os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais os mais afetados pelo tarifaço. São Paulo, por exemplo, que em 2024 vendeu US$ 13 bilhões para o mercado norte-americano, terá cerca de 56% dessas exportações sobretaxadas, o que corresponde a US$ 7,5 bilhões das vendas.
Impactos no setor agropecuário
No que diz respeito ao setor agropecuário, as exportações são relativamente pequenas em volume e em valor monetário, representando apenas US$ 2,1 bilhões em 2024, ou seja, 5,3% do valor total das exportações para os EUA.
Café, carne bovina e frutas (manga, uva e frutas processadas) deverão ser os produtos do setor mais afetados pelo tarifaço. Quanto ao café, há a possibilidade de haver revisão da sobretaxa aplicada, dado que 34% do produto consumido pelos norte-americanos vêm do Brasil e os outros exportadores - como Colômbia e Vietnã -, embora sejam grandes produtores e tenham tarifas de exportação inferiores, produzem menos do que o Brasil e dificilmente conseguiriam suprir toda demanda americana.
No caso da carne bovina, como já existia uma tarifa de 26,4%, com a sobretaxa de 50% a tarifa total pode chegar a 76,4%. Em 2024, os EUA importaram 229 mil toneladas do produto e a previsão para 2025 era de importar 400 mil toneladas.
As exportações de frutas em geral para o mercado estadunidense em 2024 somaram US$ 148 milhões. Manga, uva e frutas processadas representaram cerca de 90% das exportações de frutas para os EUA, o que corresponde a 12% do faturamento do setor. No caso das frutas frescas, a redução das exportações é mais prejudicial, dado que são produtos perecíveis, com prazo de estocagem e validade curtos, razão pela qual a busca por novos mercados substitutos é mais difícil, o que leva à necessidade de colocar a produção no mercado interno. Importante registrar que, além do efeito econômico já mencionado, há o risco de desemprego nas regiões produtoras, principalmente, na região do Vale do São Francisco, com destaque para os municípios de Petrolina, em Pernambuco, Juazeiro, na Bahia e adjacentes.
Outro produto importante vendido para os americanos é o mel natural. Vários estados o produzem e exportam para os EUA, com destaque para o Piauí, o maior produtor, que exportou US$ 22,5 milhões em 2024, seguido de Santa Catarina, Paraná, Ceará e São Paulo. Esses cinco estados juntos exportaram US$ 54,1 milhões em 2024, cerca de 70% do total. Ainda em relação ao mel, é importante destacar que, no caso do Piauí, a produção é quase toda realizada por cooperativas e agricultura familiar.
Evidentemente, além das perdas econômicas para o setor, a questão do emprego é crucial e tem sido motivo de grande preocupação das entidades sindicais representativas dos assalariados rurais e da agricultura familiar.
O DIEESE simulou os impactos do tarifaço na economia como um todo e no emprego, partindo da hipótese de um cenário pessimista, qual seja, os compradores norte- americanos suspendem as compras dos produtos brasileiros sobre os quais recaírem a sobretaxa e as empresas exportadoras brasileiras não conseguirem redirecioná-los para outros mercados.
Também não estão consideradas nessa simulação as medidas decretadas pelo governo brasileiro para mitigar os efeitos da sobretaxa sobre os setores afetados. O DIEESE produzirá um estudo específico com análise sobre as medidas e no final desse texto há um resumo dessas medidas.
Em outras palavras, as projeções do DIEESE procuram mostrar o impacto negativo das tarifas implantadas contra o Brasil, se nenhuma iniciativa fosse tomada para minimizar os prejuízos.
Os impactos potenciais seriam os seguintes sobre:
• Trabalho: menos 726 mil postos de trabalho, sendo 384,0 diretos e indiretos e 342,7 induzidos pela redução da renda
• Valor adicionado: menos R$ 38,7 bilhões
• Impostos: menos R$ 11 bilhões
• Massa salarial: menos R$ 14,33 bilhões
• Previdência e FGTS: menos 3,31 bilhões
• PIB: menos 0,357%
Potencial de impacto nos empregos em 1 ano - “Teto” (DIEESE)
Ainda que se trate de uma simulação do potencial de impacto no emprego – cuja concretização depende de condicionantes e variáveis conforme hipótese estabelecida - os números são reveladores do estrago que o tarifaço poderá provocar no emprego dos diversos setores da economia brasileira.
No caso do setor agropecuário a estimativa aponta para uma perda potencial de quase 104 mil empregos no período de um ano. Proporcionalmente, o setor será o quarto (14%) no ranking da perda de postos de trabalho. Ademais, pelas próprias características do segmento agrícola, quais sejam, sazonalidade, informalidade e precarização das condições de trabalho, os efeitos podem ser ainda mais danosos aos trabalhadores.
Potencial de impacto nas negociações coletivas
O DIEESE também simulou o potencial de impacto das tarifas impostas pelo governo americano nas negociações coletivas de trabalho a serem realizadas no Brasil, caso não sejam tomadas medidas para minimizar os prejuízos.
O Brasil tem 10 mil empresas que exportam para os EUA. No painel elaborado pelo DIEESE, foram identificadas 3.075 empresas que negociam Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) diretamente com entidades sindicais representativas de trabalhadores. Nesse conjunto de empresas, foram encontradas 52 empresas do meio rural, que negociaram 93 instrumentos coletivos. Os dados a seguir têm como referência as 3.075 empresas.
Número de instrumentos coletivos das empresas exportadoras para os EUA, por setor e atividade econômica - recorte do painel analisado, 2024
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego
Elaboração: DIEESE
Foram identificados 1.459 sindicatos representativos de trabalhadores envolvidos nessas negociações. Desse total, 236 são sindicatos de trabalhadores rurais.
O número de instrumentos coletivos das empresas exportadoras para os EUA, por região, no recorte do painel analisado em 2024, indica a seguinte distribuição: Norte: 125 instrumentos; Nordeste: 186; Centro-Oeste: 58; Sudeste: 1.286; Sul: 614 e de âmbito Nacional: 9 instrumentos.
Em relação aos reajustes salariais, os dados do gráfico a seguir mostram que entre janeiro e julho de 2025, há uma piora no percentual de reajustes superiores ao INPC-IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor-IBGE).
Potencial de impacto - negociações coletivas
É possível inferir que esses dados já reflitam efeitos do tarifaço, uma vez que em abril houve a sobretaxa de 10% sobre os produtos exportados para os EUA, o cenário era de incertezas em relação às atitudes do governo americano e em julho foi anunciada a sobretaxa de 50%. Diante disso, as empresas se aproveitaram para dificultar a concessão de aumentos reais. Ademais, o percentual de negociações com reajustes inferiores ao INPC-IBGE saltou de 3% em 2024, para quase 13% em 2025.
Ainda no que diz respeito ao potencial de impacto nas negociações, nota-se que os pisos também podem ter sido afetados. O gráfico seguinte mostra ligeira queda no valor médio do piso de 2025 em comparação ao piso médio de 2024.
Potencial de impacto - Negociações coletivas
Finalmente, cabe salientar que as negociações das datas-base de agosto em diante, que ocorrerão num cenário de vigência da taxação dos produtos brasileiros exportados para os EUA - ainda que o governo brasileiro já tenha anunciado um conjunto de medidas para mitigar os efeitos do tarifaço -, deverão enfrentar maiores dificuldades para conquistarem reajustes salariais e, principalmente, aumentos reais de salário.
As medidas anunciadas para mitigar os efeitos do tarifaço
O governo lançou dia 13 de agosto o Plano Brasil Soberano para proteger empresas e trabalhadores e mitigar os efeitos das sobretaxas dos EUA sobre os produtos importados do Brasil. Trata-se de um conjunto de ações articuladas em três eixos: fortalecimento do setor produtivo; proteção aos trabalhadores; diplomacia comercial e multilateralismo.
Segundo o governo, as ações visam proteger as empresas, preservar os empregos, incentivar investimentos em setores estratégicos e assegurar a continuidade do desenvolvimento econômico do país. O Plano estabelece uma linha de crédito no valor de R$ 30 bilhões.
O Plano Brasil Soberano prevê uma série de medidas conforme já mencionado. Aqui, serão detalhadas apenas as do eixo 2, que trata da preservação dos empregos dos trabalhadores.
O Plano cria a Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego para o monitoramento do nível de emprego nas empresas e nas respectivas cadeias produtivas; fiscalização de obrigações, benefícios e acordos trabalhistas; e proposição de ações voltadas à preservação e manutenção dos empregos.
Serão criadas Câmaras Regionais nas Superintendências Regionais do Trabalho que atuarão na coordenação em nível nacional e regional.
Entre as atribuições previstas estão:
• Acompanhar diagnósticos, estudos e informações relativas ao nível de emprego nas empresas e subsetores diretamente afetados pelas tarifas dos EUA;
• ampliar a análise para identificar impactos indiretos na geração e manutenção de empregos em empresas da cadeia produtiva;
• monitorar obrigações, benefícios e repercussões nas folhas de pagamento decorrentes de acordos para preservar empregos e mitigar os efeitos das tarifas;
• promover negociação coletiva e mediação de conflitos para manter o emprego;
• aplicar mecanismos relacionados a situações emergenciais, como lay-off e suspensão temporária de contratos, dentro da lei;
• fiscalizar o cumprimento das obrigações acordadas e a manutenção dos empregos por meio da Inspeção do Trabalho;
• utilizar a estrutura regional das Superintendências do Trabalho para engajar trabalhadores e empregadores em negociações para atender às necessidades das empresas afetadas;
• monitorar a concessão e o pagamento de benefícios trabalhistas aos empregados das empresas diretamente afetadas.
Por DIEESE.