A chantagem imposta pelo governo Trump de aumento em 50% das tarifas sobre as exportações brasileiras tem motivação política. Nenhum argumento lógico válido, baseado em dados oficiais ou fatos históricos da relação comercial entre o Brasil e os Estados Unidos da América, pode justificar tal medida. Trata-se apenas de uma afronta da ultradireita imperialista norte-americana a mais um país progressista em desenvolvimento.
Porém, além de deteriorar as relações diplomáticas, o “tarifaço” de Donald Trump pode resultar em graves consequências econômicas para produtores e consumidores de ambos os países.
E como isso afeta a agricultura familiar brasileira?
O tarifaço pode afetar a agricultura familiar brasileira de diversas formas, principalmente por reconfigurar os fluxos comerciais internacionais e criar um ambiente externo mais instável para a comercialização de produtos, gerando aumento dos custos de produção e logísticos, maior concorrência com o agronegócio e a marginalização de pequenos e médios empreendimentos da agricultura familiar.
A medida adotada por Donald Trump pode dificultar a produção e as exportações de café especial, frutas tropicais, mel, castanhas, cacau e chocolates artesanais, ervas e temperos, e produtos artesanais e agroecológicos, comercializados por cooperativas e agroindústrias da agricultura familiar.
Estima-se que a agricultura familiar é responsável por 48% da produção de café no Brasil. O nosso país exportou mais de 8 milhões de sacas de café para os Estados Unidos em 2024, totalizando 33% das importações mundiais de café pelos norte-americanos (1).
Com a nova tarifa, a exportação de suco de laranja se tornaria inviável, pois 72% do valor total do produto seria recolhido em impostos (2).
Segundo o IBGE (2023), o Brasil tem mais de 100 mil apicultores, sendo que 82% deles trabalham na atividade familiar. O nosso país produz cerca de 60 toneladas de mel ao ano e mais de 80% do mel exportado pelo Brasil tem como destino os Estados Unidos.
Agricultura familiar detém cerca de 31% do rebanho bovino nacional. E, embora não haja dados sobre o volume de exportações de carne bovina pela agricultura familiar, os Estados Unidos são o segundo maior comprador desse produto no país, respondendo por 12% do total exportado (MAPA, 2025).
Aproximadamente 90% da produção nacional de cacau é proveniente da agricultura familiar. Em 2024, os Estados Unidos importaram 33 % do total de cacau e derivados exportados pelo Brasil (3).
Em outras palavras, essa instabilidade comercial coloca a agricultura familiar em maior desvantagem, inclusive frente ao agronegócio brasileiro que, em tese, conseguiria diluir parte dos custos de exportação pela produção em grande escala. O tarifaço pode enfraquecer as cooperativas e agroindústrias familiar com acesso ao mercado internacional, restringindo a sua participação no volume das exportações brasileiras. Isto pode resultar em perda da produção, de mercados e de renda para a agricultura familiar e seus empreendimentos comerciais com vocação externa.
Por outro lado, a agricultura familiar também consome. E como consumidora pode ser afetada pelo aumento de preços no Brasil de produtos importados dos EUA, especialmente insumos e compostos orgânicos, peças de maquinária e equipamentos para produção agrícola, vacinas e outros produtos veterinários utilizados na agricultura e pecuária familiar.
O tarifaço pode enfraquecer também os acordos multilaterais que beneficiam a agricultura familiar e desorganizar as lutas coletivas por comércio justo, agroecologia certificada e agricultura orgânica exportada com apoio institucional. Pode agravar ainda mais os desafios enfrentados pela agricultura familiar no Brasil, tornando os custos de produção mais altos, restringindo o acesso a tecnologias e insumos, e colocando em risco a competitividade e a sustentabilidade econômica de muitos negócios da agricultura familiar.
Para mitigar esses efeitos seriam necessárias políticas públicas de apoio, como subsídios a insumos, financiamentos acessíveis, melhoria na infraestrutura e incentivo à inovação tecnológica para a agricultura familiar. A diversificação da produção, a valorização dos produtos locais e o fortalecimento das cooperativas de agricultores familiares também são estratégias que podem ajudar a minimizar os impactos negativos do tarifaço na agricultura familiar.
Portanto, a CONTAG vê com preocupação a medida anunciada pelo governo dos Estados Unidos e reafirma o seu compromisso com a Democracia, o Estado de Direito e as instituições brasileiras em defesa da agricultura familiar brasileira, da garantia dos seus direitos e das políticas públicas específicas que fizeram o setor avançar nos últimos 30 anos, proporcionando melhores condições produtivas, comerciais e financeiras para a agricultura familiar brasileira.
Por Nemo Amaral - Assessor de Relações Internacionais.