O projeto de Lei 1595/2019, de autoria do deputado e líder do PSL Major Vitor Hugo e aprovado em Comissão Especial na Câmara de Deputados em setembro de 2021, representa, hoje, uma das maiores ameaças à democracia brasileira. A estigmatização, perseguição e criminalização das vozes dissidentes no Brasil tem crescido em alta velocidade nos últimos anos, e o PL 1595/2019 intensificaria esse cenário (i) ao ampliar o conceito de terrorismo, ameaçando a existência e as ações de qualquer oposição ao governo; (ii) ao estabelecer uma polícia secreta centralizada no Presidente da República; (iii) ao garantir a impunidade desses agentes paralelos em casos de abuso ou violação de direitos e (iv) caso esteja vigente durante as eleições de 2022.
De forma detida, os elencados pontos serão explicitados abaixo.
1) Ampliação da interpretação de terrorismo
Ao propor que a lei seja aplicada contra ações que, apesar de não tipificadas como crime de terrorismo, sejam ofensivas à vida humana ou efetivamente destrutivas em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso chave (artigo 1º, §2 e artigo 4º), o projeto coloca em risco qualquer manifestação de oposição a qualquer governo, além de ameaçar as liberdades fundamentais, em particular as liberdades de expressão e associação.
Ressaltamos que a justificativa de defesa do Estado não é um fim legítimo. O Brasil não sofre com ameaças reais de terrorismo, o Código Penal já prevê responsabilizações para as práticas delituosas que o projeto busca enquadrar como ações terroristas e o objetivo do texto é conter a ação e a articulação social, pilares da democracia brasileira essenciais à efetiva participação política.
2) Polícia política e secreta
O PL estabelece a criação do Sistema Nacional Contraterrorista e da Política Nacional Contraterrorista, ambos submetidos ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, de maneira a compor o pacote de ampliação dos poderes do
Chefe do Executivo (artigos 14º, 16º, 19º e 21º). O projeto propõe criar, na prática, uma polícia política e secreta (artigo 6) não prevista na arquitetura da segurança pública brasileira que, sob o pretexto do combate ao terrorismo, ficará encarregada de (i) coordenar o emprego das forças militares e policiais - inclusive estaduais, em ameaça ao Pacto Federativo -, (ii) mobilizar qualquer servidor público (artigo 9º) e cidadão (artigo 5º, parágrafo único) e (iii) coordenar unidades de inteligência para tanto apoiar intervenções em todo o território nacional quanto fornecer informações para atuação secreta das forças policiais e militares em caso de estado de defesa ou de sítio.
Equacionando os mais diversos sinais de autoritarismo dado pelo atual governo, bem como a proposta de ampliação do que hoje se entende por terrorismo, estamos diante de um dos mais perigosos projetos contra a democracia brasileira. A polícia política subordinada ao Presidente dará a ele o amplo acesso a informações privilegiadas e dados privados de toda a população, representando uma superestrutura de vigilância e infiltração nas organizações sociais e políticas (artigo 11º). Ademais trata-se de ferramenta de repressão que comprometerá ainda mais a segurança das vozes dissidentes que já vêm sendo perseguidas, inclusive pelo recurso à recém revogada Lei de Segurança Nacional (LSN).
3) Garantia de impunidade
O projeto não só ameaça à liberdade de expressão e a liberdade de associação: é, também, uma ameaça concreta ao direito à vida e à integridade física da população. O artigo 13 prevê que, durante uma ação contraterrorista, o agente público poderá ser isentado de responsabilizações caso venha a provocar morte ou ferimento de pessoas, presumindo-se a ação em legítima defesa. Na prática, o que está sendo proposto é fazer da aplicação da excludente de ilicitude uma regra para atos violentos e letais cometidos pelas forças de segurança, o que afasta a possibilidade de investigar ações cometidas por policiais ou militares das Forças Armadas. Em última instância, trata-se de uma autorização legal para matar.
Em suma, além da ampliação da definição do crime de terrorismo, também chama atenção na proposta a ampliação dos poderes do Chefe do Executivo. O Projeto de Lei n° 1595/2019 é dotado de um alto nível de complexidade, tanto por propor um novo quadro conceitual altamente subjetivo em torno das noções de terrorismo e contraterrorismo, quanto por mobilizar a criação e a implementação prática de uma estrutura institucional coordenada de combate e ameaça a opositores.
4) Trâmite especial e eleições de 2022
Propostas que restringem liberdades fundamentais, como é o caso do referido PL, devem ser amplamente debatidas com a sociedade civil e com demais setores da população que podem sofrer com o teor de suas medidas. A ausência desse diálogo coloca as propostas sob risco de não serem reconhecidas como legítimas e, ainda, de imporem novos riscos às lutas sociais e às vozes dissidentes. Nesse sentido, observa-se que a tramitação apressada imposta ao projeto pelo presidente da Câmara e também aliado do governo, Dep. Arthur Lira (PP-AL), tem como efeito a restrição do espaço de participação e incidência qualificada da sociedade. Ainda, a aprovação do texto em Comissão Especial da Câmara e a ameaça de confirmação do trâmite em urgência ignora a recomendação de um grupo de Relatores Especiais da ONU 1, que solicitaram ao Estado brasileiro que suspendesse o processamento do texto devido aos elevados riscos representados aos direitos humanos, particularmente à liberdade de expressão e de associação.
É preciso atentar para o fato de que a tramitação de um projeto como esse, sobretudo no contexto da pandemia de COVID-19 e com a proximidade das movimentações eleitorais para 2022, impõe uma ameaça concreta à organização política e à reação social da população. A aprovação do PL 1.595/2019 pode fortalecer a criação de ferramentas de perseguição a opositores e à sociedade civil, de forma absolutamente incompatível com o ambiente livre e democrático que se almeja ao desenvolvimento do nosso país.
ASSINAM A NOTA
Anistia Internacional Brasil
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Artigo 19 - Brasil e América do Sul
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo - Abraji
Católicas pelo Direito de Decidir
Central de Movimentos Populares - CMP
Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA
Centro Popular de Direitos Humanos - CPDH
Coalizão Direitos na Rede - CDR
Comissão Arns
Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Conectas Direitos Humanos
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares.
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos - CONAQ
Escola de Formação Quilombo dos Palmares - Equip
Fórum da Amazônia Oriental - FAOR
Fórum Direitos Humanos de da Terra - FDHT MT
Fórum Nacional de Reforma Urbana - FNRU
Fundação SOS Mata Atlântica
Greenpeace Brasil
Instituto de Defesa do Direito de Defesa - IDDD
Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife - IP.rec
Instituto Marielle Franco
Instituto Sociedade, População e Natureza - ISPN
Instituto Socioambiental - ISA
Instituto Soma Brasil
Instituto Vero
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
Justiça Global
LBL Liga Brasileira de Lésbicas
Movimento Camponês Popular - MCP
Movimento de Mulheres Camponesas - MMC
Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos - MTD
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento dos Pescadores e Pescadoras - MPP
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração - MAM
NOSSAS
Núcleo de assessoria jurídica universitária popular Luiza Mahin/UFRJ
Oxfam Brasil
Pastoral da Juventude Rural - PJR
Rede Justiça Criminal - RJC
Terra de Direitos FONTE: Organizações que lutam contra o PL 1595/2019