Em 24 de maio, o Pará foi cenário de um novo massacre de camponeses. Nove homens e uma mulher foram assassinados na região de Pau D’Arco, no sudeste do estado. Em menos de um mês, novamente milhares de camponeses e camponesas no Brasil são brutalmente atacados. A Regional Latino-Americana da UITA (Rel-UITA) conversou com o padre Paulo César Moreira, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT)*.
-O que você pode nos informar sobre este último massacre no Pará? -As pessoas assassinadas pertenciam a um movimento de luta pela terra que há algum tempo reivindicava esse território para trabalhar.
Sabe-se que no Brasil o acesso à terra sempre foi muito restrito, gerador de conflitos e de violência. Neste contexto há vários grupos de camponeses lutando para que os terrenos do Estado sejam destinados ao processo de reforma agrária.
As terras da fazenda Santa Lúcia sofriam ação judicial, apesar de serem propriedade do governo federal. Cientes disso, em outubro do ano passado, as famílias assentadas nessa região tiveram uma reunião com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que se mostrou favorável à regularização desta situação. Porém, nada disso aconteceu de fato.
O fazendeiro que reivindica para si as terras em disputa nunca aceitou negociar esta questão, ganhando na justiça a reintegração de posse das terras.
Um tempo depois da reintegração das terras, ao verem que a fazenda continuava improdutiva, as famílias tentaram novamente ocupar o terreno, mas nesse momento os fazendeiros já tinham contratado uma empresa de segurança para enfrentar os camponeses.
Como resultado dessa ação, faleceu um dos guardas de segurança contratados. Posteriormente, soube-se que se tratava de um policial aposentado.
-Pode ser esse o motivo dos assassinatos de 24 de maio passado? -Acreditamos que este massacre foi uma represália, mas que o problema de fundo é a questão das terras públicas na Amazônia, com sua longa história de grilagem feita pelos fazendeiros locais. Soma-se a isto a um Estado que não se interessa em regularizar a situação.
Então, a terra se converteu em objeto de poder para aqueles que a possuem e que não pensam duas vezes antes de cometerem qualquer atrocidade para manterem a posse de terras que consideram suas.
Um Congresso pressionado O poder do agronegócio
-O atual cenário político e a composição de um Congresso nacional unhas e dentes com o agronegócio incidem diretamente no aumento dos conflitos agrários? -Sem dúvida alguma. Estamos vivendo um momento político fruto de uma destituição ilegal, orquestrada por um grupo de parlamentares que atuam como uma verdadeira organização criminosa, altamente envolvida em esquemas de corrupção dentro e fora do governo, fortalecendo os fazendeiros ruralistas que gozam de total impunidade.
A bancada ruralista no Congresso se sentiu bem fortalecida, principalmente a partir de 2015, consequentemente a violência no campo aumentou escandalosamente.
No Brasil, só nesse ano houve 50 assassinatos de camponeses e de líderes rurais; no ano passado foram 61, sendo que em 2017 já tivemos em menos de 5 meses 37 mortes violentas, motivadas por conflitos agrários.
-Com relação a estas mortes violentas, há indícios de enfrentamento entre camponeses e a polícia? -Não há nenhuma evidência de enfrentamento, não há sequer um só policial ferido e há 10 mortos entre os manifestantes. Além disso, supeita-se que a cena do crime foi alterada.
Mas, o pior de tudo foi a forma como trataram as famílias dos camponeses assassinados. Os corpos foram transferidos pela própria polícia em uma van, empilhados uns sobre os outros, e assim como estavam – baleados e quase em processo de decomposição – foram entregues às suas famílias, que tiveram que enterrá-los imediatamente, sem nem mesmo poder velá-los.
Foi um procedimento completamente cruel e desumano.
-Você pôde ir ao local do crime? -Pessoalmente não, mas há um representante da CPT do Pará na região, e também estão presentes o Conselho Nacional de Direitos Humanos, representado por Darci Frigo; a Promotora Federal dos Direitos Cidadão, representada pela Déborah Duprat, para dessa forma garantirem um processo de investigação rigoroso.
Cabe lembrar que este é o segundo massacre de camponeses em menos de um mês. Em abril foram brutalmente assassinados nove trabalhadores rurais em Mato Grosso.
São ações sistemáticas de repressão por parte dos fazendeiros e de suas milícias privadas.
No caso da fazenda Santa Lúcia, há o agravante de que o massacre contou com a participação do Estado por meio da Polícia. Em outras palavras, estamos assistindo a um terrorismo de Estado.
-Foi feita alguma denúncia aos organismos internacionais de direitos humanos? -Tenho entendido que os deputados federais levarão ao Alto Comissariado das Nações Unidas uma denúncia contra o presidente Michel Temer, devido à truculenta repressão aos manifestantes em Brasília no dia 24 de maio agora, e também denunciando este massacre.
Queria agradecer à Rel-UITA pela difusão internacional desta problemática. Temos muitas dificuldades em resolver estes conflitos, porque o governo não defende nem garante o respeito pelos direitos humanos. Pelo contrário, a força policial está a serviço do terrorismo de Estado e da bancada ruralista.
Precisamos imperiosamente que as organizações internacionais que brigam pela defesa dos direitos humanos denunciem o que acontece no Brasil.
FONTE: Rel-UITA - Amalia Antúnez