Com as mudanças no cenário político com o impeachment e com as primeiras medidas anunciadas pelo Governo Temer, a Secretaria de Política Agrária da CONTAG sentiu a necessidade de reunir as Federações e as lideranças para analisar a conjuntura, definir estratégias, ações e pautas centrais para avançar na política de acesso à terra. Esse foi o objetivo central do Encontro Nacional Cenários, Visões e Desafios da Política Agrária no Brasil, realizado de 17 a 19 de outubro, no Auditório Margarida Alves, na ENFOC/CONTAG, em Brasília. Para os(as) participantes e para o secretário de Política Agrária da CONTAG, Zenildo Pereira Xavier, esse objetivo foi cumprido com a realização de uma profunda análise do contexto. “Expressamos um sentimento de preocupação e, às vezes, de revolta com o cenário. Mas, ao mesmo tempo, de esperança e de disponibilidade de luta para avançar nas políticas.”
Nas discussões, houve uma compreensão de que, de fato, havia muitos problemas na condução da política agrária nos períodos anteriores, mas também foram apontadas conquistas bem significativas que agora estão ameaçadas. Na análise de conjuntura feita pelo João Marcelo Intini, da assessoria técnica do PT na Câmara dos Deputados, foram apresentadas questões preocupantes para o Movimento Sindical, como os projetos de lei em tramitação no Congresso, como a Lei de Cultivares; a lei que libera o uso de sementes Terminator; a que trata os agrotóxicos como fitossanitário; a lei de estrangeirização das terras; e a reforma da Previdência Social. “Além disso, o cenário que vemos é que a política agrária no Brasil se resumirá à titulação e regularização, não teremos obtenção de terras. Essa é uma tentativa de desmoralizar e criminalizar os movimentos sociais e a reforma agrária, bem como outras políticas que vêm articuladas a essa ação, como a habitação rural, entre outras. E a PEC 241, que será aprovada, é mortal! O processo do golpe não terminou com o Governo Temer. Terminará com a entrega do País ao capital. Será a volta da elite ao poder, sem a participação do povo e sem democracia”, reforçou Intini.
O presidente da CONTAG, Alberto Broch, destacou em sua análise a preocupação com o processo de estrangeirização das terras, e exemplificou a situação de alguns países, ressaltando a importância de defender a soberania nacional. “A terra é causa de muitas guerras e golpes em todo o mundo. A estrangeirização das terras é muito séria na Argentina e nos países da África. No Brasil, temos dificuldade em saber quantos grupos estrangeiros são donos de terras aqui. Com a aprovação da lei, vão abrir mesmo o mercado e colocar em risco a nossa soberania nacional. Temos que fazer uma campanha nacional em defesa da reforma agrária e deixar de ser um dos países mais desiguais do planeta.”
Outra liderança que contribuiu com a análise de conjuntura foi a secretária de Mulheres da CONTAG, Alessandra Lunas, que fez uma reflexão e levantou vários questionamentos sobre o resultado das eleições municipais. “Os partidos de esquerda foram massacrados. O que isso tem a ver com reforma agrária? Sabemos que a política agrária não avançou da forma que queríamos nos Governos Lula e Dilma. Mas o problema estava no Executivo ou no Congresso Nacional? Vários projetos de leis retrógrados estão há anos no Parlamento, antes conseguíamos fazer pressão e travar as votações. Hoje, com este Congresso, a pauta da reforma agrária não entra e não avança.”
Representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Secretaria de Reordenamento Agrário (SRA) também participaram do Encontro com o objetivo de passar a visão do atual governo sobre a política agrária e trazer informações sobre os projetos em execução. “Ficou claro que o discurso do governo não condiz com a sua prática, principalmente pela proposta orçamentária voltada ao desenvolvimento das ações de reforma agrária e das políticas de fortalecimento da agricultura familiar, que tiveram um corte significativo de recursos para 2017, sem contar com as propostas de leis defendidas pelo governo, bem como a sua postura diante de alguns temas”, avaliou Zenildo.
COMO AVANÇAR? Para enfrentar esse cenário adverso e de muitos desafios para os trabalhadores e trabalhadoras rurais e para os movimentos sindicais e sociais, os(as) participantes aprovaram um conjunto de orientações, estratégias e ações que agora precisam ser operacionalizadas. Algumas delas são a construção de módulo específico nos cursos da ENFOC sobre o tema do direito à terra, uma campanha de comunicação positiva em defesa da reforma agrária, a elaboração de documento com subsídios sobre os impactos dos projetos de leis e medidas provisórias em tramitação, entre outros encaminhamentos. Outra definição importante foi sobre as ações unitárias com as organizações sociais do campo. “Essa foi uma discussão bastante aprofundada e a compreensão do coletivo é de que é preciso ampliar e fortalecer as ações unitárias nas pautas que nos unifica”, explicou o secretário.
No geral, todos(as) reforçaram a necessidade de um maior comprometimento das lideranças e do MSTTR com a reforma agrária e com as demais políticas. No entanto, houve o reconhecimento de que existe uma base efervescente, que mantém forte o espírito de luta. E foi com esse espírito, com esse sentimento, que todos(as) saíram do encontro. “Esse encontro despertou em nós o tamanho da luta que devemos travar nas nossas bases, que aponta o rumo da reforma agrária a partir do atual cenário. Mas, eu acredito em mim e acredito no outro. É com esse sentimento que volto para o meu estado, sabendo que podemos vencer. E enquanto secretária de Formação na minha federação, penso que temos que trabalhar articulados. Não dá para fazer formação sem trabalhar a organização e a questão agrária. Saio daqui motivada, com bastante conhecimento e, principalmente, com um olhar mais aprofundado sobre o cenário atual no nosso País, que afeta os nossos estados e municípios”, avaliou uma das participantes, Maria Barros, que é secretária de Formação da FETAG-PI.
No encontro ficou evidente que a reforma agrária continua a ser uma das principais bandeiras de luta do MSTTR. Um dos participantes é acampado há 19 anos, no município de Alto Paraíso, no Paraná. Mesmo vivendo embaixo de uma lona com a sua família, sustentando-os com o que ganha trabalhando de diarista no “arrecadão de mandioca” em propriedades da sua região, não perdeu a esperança de conquistar o seu pedaço de terra. “A nossa história não é diferente das outras. Éramos agricultores e fomos expulsos pelo latifúndio. O nosso sonho é conquistar a terra, trabalhar nela, dar uma vida boa para a nossa família e divulgar que a reforma agrária é demorada, mas vale a pena!”, disse bem esperançoso o trabalhador Elias de Oliveira.
CRÉDITO FUNDIÁRIO Na avaliação do encontro, um dos pontos positivos apontados pelos(as) participantes foi o lançamento das publicações (duas cartilhas e uma revista) resultado do convênio firmado entre a CONTAG e a SRA no âmbito do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF). “Foi o momento em que mostramos os resultados de um trabalho realizado durante anos. E a iniciativa de trazer as pessoas, suas experiências e suas histórias, além de emocionante, foi um estímulo e uma confirmação de que a luta vale a pena. O acesso à terra provoca transformações positivas na vida do povo”, afirmou Zenildo. FONTE: Assessoria de Comunicação CONTAG - Verônica Tozzi