A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou na manhã desta segunda-feira (7 de maio) o caderno Conflitos no Campo Brasil 2011, no auditório Dom Helder Câmara, na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. O anúncio contou com a presença de representantes dos movimentos sociais do campo, inclusive da CONTAG, que foi representada pelo secretário de Política Agrária, Willian Clementino.
O documento aponta para um crescimento de 15% no número total de conflitos no campo em 2011, em relação a 2010. Passaram de 1.186 conflitos para 1.363. Segundo Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, esse caderno não é apenas um papel. “Ele traz a nossa memória, os filhos e das filhas de Deus que, na busca pela terra, tombaram pela ambição, pela ganância dos grandes proprietários”, destaca. Steiner completa que o novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados também não contribui para amenizar a violência no meio rural. “O Código aprovado visa especialmente o lucro, a comercialização para o exterior. Por isso, defendemos o veto da presidenta Dilma. Afinal, somos homens e mulheres que olhamos para o futuro com esperança”, afirma Dom Leonardo.
O caderno traz em sua capa a foto do casal Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro da Silva, assassinados em 24 de maio de 2011, lideranças do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna, no Pará. Eles representam todos os 29 trabalhadores e trabalhadoras assassinados no ano passado em conflitos por terra, considerando que a maioria das vítimas eram lideranças, indígenas e quilombolas. O relatório também mostra que o número de pessoas ameaçadas passou de 125 para 347, um crescimento de 177,6%. Além disso, 89 foram presos e 215 agredidos. O caderno lançado pela CPT faz ainda um levantamento da prática do trabalho escravo no Brasil. Esse crime foi detectado em 19 dos 27 estados da federação. Entre denúncias documentadas e flagrantes resultando em alguma libertação, foram identificados 230 casos, contra 204 em 2010. Já o número de trabalhadores(as) envolvidos diminuiu em 5,6% -de 4.163, em 2010, para 3.929, em 2011. Apesar de ter aumentado o número de estabelecimentos fiscalizados (340 em 2011 contra 305 em 2010), no ano passado foram libertados menos trabalhadores(as): 2.914, em 2010, 2.095, em 2011. Depoimentos –O evento contou com a participação de três lideranças que estão ameaçadas de morte por causa da luta pela terra. Laísa Santos, trabalhadora do Assentamento Praialta-Piranheira, no Pará, é irmã de Maria do Espírito Santo, assassinada no ano passado. Ela também já recebeu ameaças e aproveitou a oportunidade para agradecer o empenho da CPT em divulgar os casos de violência. “Sentimos na pele que a nossa cabeça está a prêmio. Registramos as denúncias e o governo nada fez. Por isso, é importante o registro dessa memória”, disse Laísa. Zilmar Pinto Mendes, quilombola da comunidade do Charco, no Maranhão, é outra que está ameaçada de morte. “Morreu o Flaviano (liderança assassinada por causa da luta pela terra) e nasceram mais Flavianos para que essa luta não fique em vão. Não podemos pagar o mal com o mal. Nesse sentido, estamos buscando justiça a partir da reivindicação dos nossos direitos”, explica Zilmar. Já Valmir Guarani Kaiowá, indígena da Tekoha Guaiviri, é filho do cacique Nisio, assassinado em 2011. Ele relatou que o pai morreu por persistir em buscar a terra que seu povo teve posse por muitos anos, e que fazendeiros locais queriam ocupá-la indevidamente. “Por isso, cobramos a demarcação das terras indígenas”, reivindica Valmir. Pesquisa –O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Walter Porto-Gonçalves, que coordenou a pesquisa, destacou a qualidade dos dados apresentados e a forma como os números são atualizados anualmente. Além disso, afirmou que o modelo agrário e agrícola em desenvolvimento no país estão gerando uma reprimarização da economia brasileira. “O que vemos o que está acontecendo por trás desse processo é um recorde de conflitos no campo de 2003 para cá, justamente pelos estímulos que estão sendo oferecidos ao modelo agroexportador. Apesar de todo êxito econômico, esse desenvolvimento está se consolidando sob muita violência.” O professor informou que apenas 25% dos conflitos foram causados em razão das lutas dos movimentos sociais com as ocupações de terra. O documento aponta que a maioria dos casos é causado pela expulsão das pessoas e povos tradicionais de seus territórios, gerando mais “sem-terras” no país. O secretário de Política Agrária da CONTAG, Willian Clementino, analisa que faltam políticas públicas estruturantes para emancipar os trabalhadores e as trabalhadoras rurais em suas comunidades e territórios para terem autonomia para continuarem a viver, produzir alimentos e reproduzir culturas e costumes. “A falta desse reconhecimento e dessa valorização tem incidido numa ação perversa do latifúndio e da justiça brasileira que agem de maneira tendenciosa parafavorecer os grandes empreendimentos acarretandotoda sorte de violências contra osdefensores da terra, água e da natureza”, opina. O secretário completa que os dados divulgados anualmente pela CPT contribuem significativamente para a denúncia dos fatos e paraque haja um diálogo com o poder público e a sociedade em geral. “Se o Estado Brasileiro tivesse interesse em resolver os problemas com relação aos conflitos no campo, a partir do caderno apresentado pela CPT algumas providências já poderiam ser tomadas. Se houvesse investimentos para erradicar a violência no campo igual ao que é investido nos grandes projetos, com certeza o retorno político, social e ambiental seria mais significativo não só para o país, mas para o planeta.” Nesse sentido, Willian explica que a CONTAG utiliza essas informações dos conflitos agrários anualmente para subsidiar o trabalho desenvolvido em todo o país e na construção das pautas de reivindicações da categoria trabalhadora rural. “Temos utilizado esses dados para fomentar, produzir e qualificar nossas propostas no sentido de obter melhores resultados por parte do governo. Visamos melhorar os serviços e políticas oferecidas e, principalmente, a melhoria da qualidade de vida dos nossos trabalhadores e trabalhadoras rurais.” FONTE: Imprensa CONTAG - Verônica Tozzi