O Relatório Final da Comissão Camponesa da Verdade (CCV) foi transformado em livro e lançado na audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal, que aconteceu nesta quinta-feira (17). O lançamento deste livro coroa um esforço coletivo de muitas pessoas que se desdobraram para dar luz a um pedaço da história dos camponeses e camponesas que sofreram violações em seus direitos, contribuindo para a busca da justiça e da reparação.
Os membros da CVV reconhecem que esse relatório não esgotou o universo das situações de violações contra camponeses, mas, mesmo com limites, conseguiu apresentar um panorama inicial de casos emblemáticos, alguns deles pouco conhecidos até então. A realização deste trabalho significa o cumprimento de uma tarefa nobre dos movimentos sociais para demonstrar como a classe dominante brasileira, que é uma das mais conservadoras do mundo, se valeu da repressão e da aliança com os militares para violar a vida e os direitos do povo do campo.
Este relatório é fundamental para denunciar a invisibilidade para a maioria dos casos e o pouco reconhecimento que o Estado e a sociedade têm sobre o que ocorreu no campo no período da repressão. Exemplo disso, é que o trabalho concluído pela Comissão Nacional da Verdade, mesmo sendo subsidiada pela CCV, só reconheceu 49 casos ligados aos camponeses e camponesas. Resultado muito limitado diante do que está registrado no livro ora lançando, que apresenta mais de 70 casos de violações aos direitos humanos de líderes rurais e seus apoiadores, em todas as regiões do País no período de 1964 e 1988; revela uma lista com identificação de 663 camponeses(as) cujos nomes aparecem em Inquéritos Policiais Militares ou em Processos na Justiça Militar durante a ditadura. Desse total, 132 foram presos, 34 torturados e 11 mortos e, ainda, uma relação de 1.196 camponeses e camponesas e seus apoiadores mortos ou desaparecidos entre 1961 e 1988.
Além dos casos, o livro também tenta explicar a estrutura de repressão no campo e traz conceitos e concepções sobre o significado de graves violações de direitos humanos no campo, e como o Estado deve ser reconhecido como sujeito de violação de direitos não só quando agiu diretamente, mas também pelo conluio, acobertamento e “privatização” da sua ação, com a atuação do latifúndio como um braço privado na repressão. O relatório traz, ainda, um debate sobre memória e reparação diante de um processo político e social de invisibilização das lutas e resistências camponesas e uma sistemática negação da reparação aos camponeses.
A Comissão Camponesa da Verdade foi criada durante a realização do Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, em 22 de agosto de 2012. A CCV é constituída de representantes de movimentos sociais do campo, entre eles a CONTAG, e de uma rede nacional de pesquisadores(as) engajados no tema, e outras personalidades. O principal objetivo foi incidir nos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), buscando influenciar o relatório final da CNV com dados sobre as formas como a repressão atingiu os trabalhadores(as) no campo.
Um caso emblemático relatado no documento é o assassinato de Margarida Maria Alves, que era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande/PB, em 12 de agosto de 1983, cujo crime ainda está impune. O assassinato de Margarida encobre uma suposta participação de usineiros, proprietários rurais, autoridades e agentes públicos da região em crimes contra camponeses.
Infelizmente, a violência no campo permanece, fruto do modelo de desenvolvimento rural fomentado pela ditatura militar e que continua sendo priorizado pelos governos. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgará na próxima semana o Relatório Anual de Conflitos do Campo do ano de 2015, onde estão registrados 50 assassinatos, principalmente na Amazônia. Agora em 2016, trabalhadores e trabalhadoras rurais já foram mortos em consequência da luta pela terra. Em Boa Vista/RR, no início de março, dois trabalhadores rurais foram assassinados em um confronto com a Polícia Militar na área onde estão acampadas 720 famílias na Gleba Cauamé, situada nos municípios de Boa Vista e Alto Alegre. Além das duas mortes, duas pessoas estão desaparecidas e quatro foram presas.
Além da morte, outros direitos do povo continuam também sendo violados pela morte dos rios e das florestas, com a produção de alimentos envenenados, com a exploração absurda da mão de obra rural, dentre outras violências diárias cometidas no campo.
Por isso, é importante compreender o Relatório Final da Comissão Camponesa como um instrumento de luta, que permite conhecer e analisar os casos como mecanismo de recomposição de uma memória que orienta para as ações dos movimentos sociais no futuro.
É preciso exigir do Estado o cumprimento das recomendações do relatório da Comissão Camponesa e da Comissão Nacional da Verdade, especialmente quanto à necessidade de continuar o trabalho de pesquisa e registro das memórias, de resgate da verdade, assegurando a justiça e a reparação para vítimas e familiares com mecanismos que permitam ao Brasil completar a sua transição democrática. FONTE: Assessoria de Comunicação CONTAG - Verônica Tozzi