É preciso denunciar: a violência no campo avança em uma velocidade assustadora. A chacina que matou nove trabalhadores rurais no município de Colniza (MT), o horror contra os índios Gamela no município de Viana (MA), um assassinato em Minas Gerais, dois no Pará, três em Rondônia: em apenas cinco meses de 2017, o campo brasileiro já recebeu o sangue de pelo menos 20 cidadãos(ãs) que lutam pelo direito à terra e por uma vida digna – uma morte por semana. Esses atos bárbaros são consequência do fortalecimento da mentalidade neoliberal que se apoderou novamente do País, em que a ganância, o elitismo e o preconceito estão por trás das decisões tomadas pelo atual governo de nosso País. Para tornar pública e exigir providências institucionais contra a intensificação da violência no campo, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), em conjunto com organizações da sociedade civil e órgãos públicos de atuação em defesa dos direitos humanos, realiza no próximo dia 23 de maio (terça-feira), às 14h, no Memorial do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, o ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo”. A CONTAG faz parte deste movimento e convoca todos(as) os trabalhadores(as) rurais para participar deste momento importante de luta. veja a programação do Ato ao final desta matéria.
O crime mais recente foi o assassinato da trabalhadora e líder rural Kátia Martins, 43 anos, morta com cinco tiros numa emboscada ocorrida no dia 4 de maio, em sua própria casa, localizada no acampamento “1º de Janeiro”, no nordeste paraense, a 130 quilômetros de Belém. Kátia era presidente da Associação de Agricultores Familiares do acampamento e lutava para garantir uma vida de qualidade para as famílias do local. Na manhã do dia de sua morte, ela havia participado de uma reunião para conseguir projetos para o acampamento através do Banco da Amazônia (Basa). De acordo com o Sindicato dos Assalariados Rurais de Castanhal, município próximo, existem grupos rivais da associação que queriam a terra para vender. Antes de Kátia Martins, perdermos muitos outros companheiros e companheiras de luta. Pessoas como a quilombola e dirigente do STTR de Miranda do Norte (MA), Francisca das Chagas Silva, encontrada nua e perfurada em uma poça de lama em fevereiro de 2016. Ou como o trabalhador rural Antônio Luiz Araújo, de 45 anos, barbaramente assassinado por pistoleiros em Wanderlândia (TO) em agosto de 2016. Ou os companheiros mortos em uma ação violenta da Polícia Militar de Boa Vista (RR), em área onde estão acampadas 720 famílias de trabalhadoras e trabalhadores rurais, na Gleba Cauamé, nos municípios de Boa Vista e Alto Alegre, em Roraima. Além das duas mortes, duas pessoas desapareceram e quatro foram presas. Essas são apenas algumas de dezenas de tristes histórias que se repetem em todo o Brasil e têm como principal ponto em comum a impunidade. Para grileiros e grandes latifundiários, a vida dos(as) trabalhadores(as), indígenas ou quilombolas não vale nada. De acordo com estudo publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a violência têm aumentado nos últimos dois anos. Em 2016, 61 pessoas foram assassinadas em disputas pela terra, número 22% maior que o registrado em 2015, quando 50 pessoas perderam a própria vida. As tentativas de assassinato aumentaram em 25%: em 2015 foram 59, em 2016, foram 74. O registro de ameaças também aumentou, de 144 em 2015 para 200, em 2016. Também impressionam o número de agressões e prisões. Em 2015 foram 187 pessoas agredidas, enquanto no ano seguinte foram 571, um crescimento de impressionantes 206%. O número de prisões subiu de 80 pessoas, em 2015, para 228 pessoas, em 2016. Os estudos da CPT indicam que o número de conflitos por terra ocorridos em 2016 foi o mais elevado desde que a entidade iniciou as pesquisas, em 1985. Foram 1079 ocorrências onde houve algum tipo de violência – expulsão, despejo, destruição de bens, pistolagem e também tentativas e ameaças de morte, prisões, torturas e mesmo assassinatos. Em Tocantins, os conflitos por terra aumentaram 313% em apenas um ano, de acordo com a CPT: foram 24 conflitos em 2015, contra 99 em 2016. Não por acaso: o estado faz parte da “nova fronteira agrícola” do país, desenhada pela bancada ruralista e grandes empreendimentos de latifundiários nacionais e internacionais, colocada em prática ainda no governo da presidenta Dilma Rousseff. Trata-se do MATOPIBA, projeto de desenvolvimento do agronegócio que avança nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e, no caminho, destrói o cerrado, desaloja agricultores(as) familiares, indígenas e quilombolas. Sangue indígena Começou em 1500: o massacre dos habitantes originais desta terra a que hoje chamamos Brasil. Eram mais de três milhões, espalhados por todo o território, centenas de povos com culturas riquíssimas que incluíam idiomas, conhecimentos medicinais, culinários, artísticos e de convivência harmoniosa com o meio ambiente. Tudo isso foi dizimado. Mortos, escravizados, e hoje restritos a reservas preservadas ao custo de muitas vidas. Hoje, restam cerca de 800 mil indígenas em nosso País, de acordo com os dados de 2010 da Fundação Nacional do Índio (Funai), sofrendo com a diminuição e exploração de seus territórios. Disputa de terra foi a causa do horror praticado contra os índios gamela no dia 30 abril, no município de Viana (MA). Em uma emboscada, ao menos 13 indígenas foram feridos, dois tiveram as mãos decepadas e cinco foram baleados. No ano passado, de acordo com a CPT, 13 indígenas morreram de forma violenta porque lutavam pela demarcação das terras de suas etnias e contra a exploração ilegal de madeira dentro de seus territórios. Sete deles eram jovens entre 16 e 32 anos de idade. Mas a violência contra os indígenas não se resume à praticada por grileiros e latifundiários. Medidas tomadas pelo governo de Michel Temer também representam atos de desrespeito e até mesmo crueldade com os primeiros habitantes de nosso território. São elas os entraves aos 280 processos de demarcação de terras indígenas em andamento no Brasil, a diminuição de recursos para a Funai, a criminalização de indígenas e de profissionais da área pela bancada ruralista, por meio da CPI Funai-Incra. Em 2016, o ministro da Casa Civil, José Padilha, devolveu 13 processos de demarcação de terras para a Fundação Nacional do Índio (Funai). Os processos eram referentes a 1,5 milhão de hectares, divididos em 11 estados brasileiros e reivindicadas por 17 etnias diferentes. Os processos de demarcação destas terras iniciaram entre 2004 e 2014, sendo que um teve início em 1982. Em maio de 2016, quando assumiu a presidência, Temer já havia mandado rever atos da ex-presidente Dilma Rousseff, entre os quais a criação de áreas indígenas, desapropriação de terras e atos de reconhecimento de pelo menos cinco comunidades quilombolas em diferentes regiões do país. Em janeiro de 2017, Alexandre Moraes alterou as regras para a demarcação de terras, aumentando a burocracia do processo. Antes, o laudo da (Funai) era passado diretamente ao Ministério da Justiça, para então seguir para a Casa Civil. Moraes criou um Grupo Técnico Especializado que analisa o laudo realizado pela Funai antes de que este seja enviado ao Ministério da Justiça. Esse passo torna ainda maior o prazo para a demarcação e permite intervenções de caráter político sobre as decisões técnicas da Funai. Agressões ao futuro A juventude rural é afetada pela violência crescente ao perder pais, avós, amigos(as) e companheiros(as) nas ações de grileiros e pistoleiros, e também quando iniciam seu próprio caminho de luta por seus direitos. Em mobilizações, manifestações e atos a favor da democracia, contra a corrupção e a perda de direitos, jovens trabalhadores(as) rurais, estudantes, sofrem com a reação absurda da polícia militar – mais uma faceta do fortalecimento dos valores neoliberais de ganância, elitismo, preconceito. No dia 29 de novembro de 2016, os(as) participantes da 3ª Plenária Nacional da Juventude Rural, foram às ruas se somando à manifestação contra a PEC 55, a Reforma do Ensino Médio e em defesa dos direitos sociais, como a saúde e a educação. Na Esplanada dos Ministérios, sofreram com as bombas de efeito moral e o uso de sprays de pimenta, além de terem de fugir de balas de borracha e golpes de cassetete: o atual governo federal, que subiu ao poder de forma ilegítima, mostra a força de seu autoritarismo, demonstrando com violência que não aceita a voz do povo, sendo capaz de barbárie. Afundamento da face. Perda da visão. Perfuração do abdômen. Morte. Consequências determinantes para jovens brasileiros(as) que foram às ruas para manifestar sua indignação contra os rumos que o País toma desde o início de 2016. Por trás de tudo isso, a atuação violenta da Polícia Militar, cada vez mais agressiva contra aqueles(as) que lutam por seu futuro, ou melhor, pelo futuro de todo o País. O caso mais recente é o do paulista Mateus Ferreira da Silva, 33 anos, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), que sofreu afundamento do crânio depois de ter sido agredido com um cassetete pelo capitão da Polícia Militar Augusto Sampaio. Mateus participava de manifestação em Goiânia (GO) contra a perda de direitos trabalhistas e contra o desmonte da Previdência Social, no dia 28 de abril, dia da greve geral convocada pelas Centrais Sindicais. O capitão que covardemente acertou o rosto do estudante foi afastado das atividades operacionais, mas continua em serviços administrativos. No município de Itambé, na Zona da Mata pernambucana, o jovem Edvaldo da Silva Alves, de 23 anos, perdeu a própria vida no dia 11 de abril, depois de passar 25 na UTI. Edvaldo foi baleado a queima-roupa por um policial militar no dia 17 de março, quando participava de um protesto contra o aumento da violência em seu município, onde chegaram a ser registrados 15 assaltos em 24 horas. Nessa trágica ironia, o futuro de um jovem foi roubado pela brutalidade daqueles que deveriam atuar em defesa da população. Uma bala da PM também comprometeu a saúde do estudante Carlos Henrique Senna, de 18 anos que, no dia 9 de fevereiro deste ano, foi atingido em um protesto no centro do Rio de Janeiro. A bala de borracha perfurou o abdômen do rapaz, causando uma lesão em seu fígado e intestino. Carlos Henrique é militante da Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro (Aerj) e participava de um ato de servidores estaduais em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), para se manifestar contra o projeto de privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Cega do olho esquerdo: a estudante da Universidade Federal do ABC (UFABC) Deborah Fabri, de 19 anos, foi ferida no olho por estilhaços de uma bomba lançada pela Polícia Militar em um protesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em São Paulo, no dia 31 de agosto de 2016. A perda da visão física de Deborah é consequência da falta de visão cívica daqueles que estão atualmente na liderança de nosso País. São governantes que parecem não enxergar que o desenvolvimento sustentável e solidário de nosso País passa, principalmente, pela distribuição justa das riquezas produzidas pela sociedade e pelo respeito ao exercício da cidadania – seja em manifestações de rua, seja pela decisão das urnas. PROGRAMAÇÃO- ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo” 14h: Mesa de abertura (Conselho Nacional dos Direitos Humanos e autoridades) 14h10: Direitos e violência no campo, com Beatriz Vargas Professora adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Criminologia e Direito, com ênfase em Direito e Processo Penal. Membro da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Pesquisa sobre os temas: Sociedade, Conflito e Movimentos Sociais; Sociedade, Controle Penal e Sistemas de Justiça; Criminologia; Direito Penal; Direitos Humanos e Processo Penal. 14h30: Testemunhos - Pessoas em situação de ameaça, defensores/as de direitos humanos, vítimas da violência no campo e/ou familiares dos que foram assassinados nos conflitos. - Indígenas: Povo Tupinambá/Bahia e Povo Gamela/Maranhão - Quilombolas - Pescadores/as artesanais - Trabalhadores/as rurais: Luiz Batista (Goiás) e liderança de Castanhal/Pará 15h30: Leitura da carta de exigências ao poder público e compromissos da sociedade civil com a defesa dos direitos e contra a violência no campo 16h: Encerramento ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo” Data: 23 de maio de 2017 (terça-feira) Hora: 14h Local: Memorial do MPF – Procuradoria Geral da República Endereço: Setor de Administração Federal Sul, Quadra 4, Conjunto C, Brasília FONTE: Assessoria de Comunicação da CONTAG - Lívia Barreto