Artigo publicado no Jornal “A Tribuna” de Vitória/ES, em 05/04/2017, página 19
Em 13 de maio de 2016, um conhecido me disse que, já antes de 1888, os escravos no Brasil podiam ser livres: era somente comprarem sua alforria. Comentário infeliz! Graças a Deus, os brasileiros sabem que a liberdade é um direito e não se dá por meio de compra-venda.
Distintos dos direitos à vida, ida e vinda, palavra, opinião, propriedade, há os direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, conforme o atual art. 6º da Constituição Federal (CF).
Os primeiros dizem respeito à liberdade da pessoa e limitam o poder do Estado e dos demais indivíduos. Foram conquistados contra o Estado absolutista, onde não havia cidadãos, mas apenas súditos do rei. A partir da Revolução Francesa de 1789, passaram a ser reconhecidos em quase todos os países.
Os direitos sociais vieram para tornar mais efetiva a igualdade, assegurada formalmente no âmbito jurídico, mas que não alcançava as dimensões social e material. Nossa “sociedade de mercado”, se nada for feito, é concentradora de riqueza e gera pobreza, mesmo entre quem tiver trabalho. Os direitos sociais, reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU e na Constituição Federal (CF) de 1988, são a garantia de que ninguém será deixado na miséria e na infelicidade. E se tornam realidade graças às políticas públicas.
A Previdência Social visa o sustento do trabalhador (e de sua família) que perdeu os rendimentos do trabalho. Contudo, a CF, ao afirmar o “caráter contributivo” desse direito, introduz um potencial conflito de concepções. De um lado, o direito social na lógica “a cada um segundo sua necessidade”. De outro lado, a contraprestação ao pagamento: “a cada um, de acordo com sua contribuição”, como se a dignidade fosse devida apenas a quem por ela possa pagar, tornando-se uma mercadoria.
O art. 194 da CF reduz esse conflito, ao dispor: •“a universalidade da cobertura e do atendimento”, ou seja, dando à previdência a missão de incluir a todos; •“a equidade na forma de participação no custeio”, para contemplar também quem tiver baixa capacidade contributiva; •“a diversidade da base de financiamento”, que viabiliza a previdência como política de Estado, financiada por toda a sociedade.
A proposta de reforma (PEC 287) exclui da proteção previdenciária quase a metade dos segurados quando aumenta as exigências contributivas em detrimento do direito social, ignorando as disposições do art. 194 da CF.
Com efeito, o agricultor familiar (sem salário) será obrigado a contribuir mensalmente como se o tivesse. O aumento da carência contributiva da aposentadoria por idade, de 15 para 25 anos, punirá quem tiver ficado desempregado ou trabalhado na informalidade, bem como a mulher que se dedicou ao trabalho doméstico não remunerado. A retirada do salário mínimo como piso das pensões por morte e dos benefícios assistenciais condenará milhões à indigência.
Liberdade não tem preço. Níveis mínimos de dignidade para todos os brasileiros também não. Por excluir multidões dos direitos da cidadania, a PEC 287 não pode ser aprovada. FONTE: Luciano Fazio, consultor e autor do livro O que é previdência social, Loyola, 2016