A CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA – CONTAG, como legítima representante dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, vem manifestar sua contrariedade com a Proposta de Regulamentação da PEC 57-A, tendo em vista que a referida proposta representa um grave retrocesso e a criação de diversos obstáculos para o efetivo combate ao trabalho escravo, conforme se verifica abaixo: 1) A proposta de regulamentação formulada pelo Relator, Senador Romero Jucá, estabelece como condição à expropriação de imóveis rurais e/ou urbanos, a exploração de trabalho escravo diretamente pelo proprietário, assim como, ao transito e julgado da sentença criminal condenatória de quem praticou tal ato. Na realidade, estas condicionantes transferem o foco das propriedades rurais e urbanas onde for encontrado trabalho escravo, para o proprietário, introduzindo dois grandes obstáculos para a aplicação da PEC, a comprovação de que o proprietário explorava diretamente o trabalho escravo e a exigência de sentença penal com trânsito em julgado. Na verdade, essa proposta, se harmoniza perfeitamente com o Projeto de Lei 4330/2004 (PL da Terceirização) que tem o único objetivo de precarizar ainda mais as relações de trabalho no campo e dificultar a ação do Estado contra os proprietários de imóveis urbanos e rurais que submetem seus trabalhadores à condições de trabalho degradantes e, muitas vezes, à condição análoga de escravo. É importante destacar, ainda, que a discussão sobre o envolvimento direto do proprietário, fragilizando, portanto, o cumprimento da função social da propriedade. A Doutrina Social da Igreja há tempo define que “sobre toda a propriedade privada pesa uma hipoteca social”. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXIII, também dispõe sobre a função social da propriedade. Deste modo, é inadmissível que a lei que tem como finalidade regulamentar a Constituição Federal viole gravemente outros comandos também previstos na Carta Magna. Mesmo que a finalidade da proposta de regulamentação da PEC 57-A seja proteger o proprietário que não tenha conhecimento sobre o trabalho escravo existente em sua propriedade é imprescindível, no mínimo, que este proprietário comprove que efetivamente não tinha conhecimento da existência de trabalho escravo em sua propriedade. Essa inversão do ônus da prova, garante ao proprietário que supostamente desconhecia a existência da utilização de trabalho escravo em sua propriedade, sem ferir de morte o preceito constitucional que sagra o princípio da função social da propriedade, que é uma responsabilidade objetiva do proprietário. 2) Outro empecilho criado pela proposta, refere-se a necessidade de haver sentença penal transitada em julgado para que seja iniciado o processo de expropriação de propriedade onde ocorreu a exploração do trabalho escravo. Esta condicionante, na verdade, retira a efetividade da PEC 57-A, pois atrela a expropriação da propriedade em que esteja havendo a exploração do trabalho escravo ao ritmo moroso e sem fim do processo penal em face de uma pessoa física. Não há duvidas, também, que a exigência de condenação penal transitada em julgada, também dificultará a punição das pessoas jurídicas que praticarem a exploração do trabalho escravo. Como punir uma empresa privada que fez uso do trabalho escravo em sua propriedade? A punição viria somente para o seu administrador? Ou a propriedade desta empresa somente poderia vir a ser expropriada em caso de condenação penal com trânsito em julgado de seu administrador? Não há resposta para estas perguntas na proposta de regulamentação. Na verdade, a proposta é clara apenas quando se refere às propriedades pertencentes ao Estado, empresas públicas e sociedade de economia mista, quando será atribuída responsabilidade penal ao gestor público. A condenação penal com trânsito em julgado como condição para se expropriar uma propriedade está longe de ser uma ferramenta de garantia da justiça. Trata-se, na verdade, de uma tentativa de impor ao processo expropriatório o ritmo moroso dos processos criminais, retirando a própria eficácia da ferramenta mais importante dos últimos temos de combate ao trabalho escravo. 3) Com o devido respeito ao Excelentíssimo Relator, o conceito de trabalho escravo contido na Proposta de Regulamentação também representa um retrocesso no combate do trabalho escravo pelo Estado Brasileiro, vez que apenas considera como trabalho escravo a existência de trabalho forçado, excluindo deste conceito “Jornada exaustiva” e “Condições degradantes de trabalho”. É importante destacar que a expressão Trabalho forçado foi mantida pelo Relator, entretanto, foi condicionada à “ameaça de punição, com uso de coação, ou que se conclui da maneira involuntária ou com restrição da liberdade pessoal.” Outro aspecto que desperta a preocupação desta Confederação, refere-se a utilização da expressão “punição involuntária”, deixando transparecer que, antes de considerar a existência de trabalho escravo em qualquer propriedade, é preciso verificar se o trabalhador se encontrava nesta condição por vontade própria ou não. É inegável, portanto, que uma norma com esse teor fere gravemente dos princípios fundamentais estabelecidos pela Carta Magna em seu art. 1º, que é a garantia e proteção da dignidade humana e os valores sociais do trabalho. Não pairam dúvidas que, por estes princípios, o Estado tem o dever de proteger o trabalhador vítima do trabalho escravo, independente do seu consentimento, sobretudo porque trata-se de prática ilícita prevista na própria legislação brasileira. Esta Confederação compreende, ainda, que a exclusão dos elementos “Jornada exaustiva” e “Condições degradantes de trabalho” da tipificação do crime de trabalho escravo, esvazia praticamente todo o conceito hoje existente, fazendo entender que só será considerado trabalho escravo aquele que for semelhante às práticas existentes no Brasil colonial, desfigurando o conceito de trabalho escravo moderno. É inadmissível que, em pleno Século XXI o Estado brasileiro trate como pequenas infrações à legislação trabalhista as jornadas exaustivas – que muitas vezes levam o trabalhador a morte -, e as condições de trabalho degradantes que ferem integridade física e psíquica do trabalhador do campo e da cidade. Estas nada mais são que parte integrante do trabalho escravo. Portanto, aprovar a regulamentação da PEC 57 – A, excluindo do conceito de trabalho escravo a submissão de trabalhadores à jornadas exaustivas e à condições degradantes de trabalho, significa o sepultamento deste importante instrumento de combate ao trabalho escravo no Brasil, objeto de luta dos trabalhadores há décadas. 4) Por todo o exposto, é inegável que a proposta de regulamentação da PEC 57-A, caso aprovada, representará um retrocesso inaceitável do Estado Brasileiro no combate ao trabalho escravo. A CONTAG, enquanto representante dos trabalhadores rurais, conclama aos Senhores (as) Senadores (as) que mantenham o conceito de trabalho escravo disposto no Código Penal e garantam as condições para que a PEC 57A seja efetivamente aplicada, demonstrando a efetiva disposição do Senado em combater o trabalho escravo no país. FONTE: Diretoria da CONTAG