A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Assalariados e Assalariadas Rurais (CONTAR) vêm a público manifestar preocupação e indignação diante do pedido de um grupo de entidades empresárias ao Presidente da República para que “o Brasil deixe de ser signatário” da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre Povos Indígenas e Tribais.
O documento datado de 07 de julho de 2022, que circula publicamente assinado por entidades empresariais do Estado do Pará afirma que a respectiva Convenção “(..) tem sido a causa de inúmeros conflitos, constantes dúvidas e insegurança jurídica quando confrontadas com outras legislações vigentes, inclusive a própria Constituição Federal de 1988 (...)”, evocando em seguida, o direito de propriedade. Erroneamente, menciona que a Convenção foi ratificada pelo Congresso Nacional em 2022, quando o ato formal correto foi registrado em 25 de julho de 2002.
As entidades afirmam ainda que “(...) a ampliação meramente interpretativa da aplicabilidade da OIT 169 já demonstra a necessidade de sua denúncia para que a sociedade brasileira debata e imponha limites de sua pretensão à proteção aos povos indígenas e ao desenvolvimento econômico do seu território soberano”. Ainda, atesta que “na prática, o país não está dando oportunidade a esses brasileiros de se integrarem economicamente à sociedade patrícia(...)”.
Pois bem, de acordo com a OIT , a Convenção nº 169 representa um consenso alcançado pelos constituintes tripartites (governos, organizações de trabalhadores e de empregadores) sobre os direitos dos povos indígenas e tribais nos Estados-membros em que vivem e as responsabilidades dos governos de proteger esses direitos. Tão logo, percebe-se que a respeitada Convenção não foi ato unilateral ou criada sem propósito que justifique sua importância.
O mesmo organismo internacional deixa claro que a Convenção baseia-se no respeito às culturas e aos modos de vida dos povos indígenas e reconhece os direitos deles à terra e aos recursos naturais, e a definir suas próprias prioridades para o desenvolvimento. Tem o cunho ainda de superar práticas discriminatórias que afetam os povos indígenas e assegurar que participem na tomada de decisões que impactam suas vidas, portanto, os princípios fundamentais de consulta e participação constituem a pedra angular da Convenção.
O que está em discussão é o direito à terra e ao território dos povos originários, suas culturas, autonomia e a perspectiva de desenvolvimento nacional incluso, sustentável e solidário. Não são e nunca foram os povos indígenas, os causadores de conflitos. Ao contrário, são estes que há centenas de anos são violentados, explorados, assassinados e expulsos de suas terras por atividades exploratórias, financiadas pelo capital nacional e internacional que em nome unicamente do lucro, viola direitos humanos e causa destruição ambiental.
Vale destacar que a Convenção nº 169 aprovada em 1989 é posterior à Constituição Federal Brasileira de 1988, então só reforça o compromisso que a própria Carta Magna já determina no que se refere a escuta dos povos originários e tribais quando a legislação deles tratar ou empreendimento lhes atingir. E ela, assim, coloca o Brasil na dianteira do pacto internacional da Nações Unidas para a proteção dos direitos dos povos originários e tribais do planeta, sem ferir, confrontar ou limitar qualquer ordenamento jurídico nacional.
Quanto ao direito de propriedade, importante frisar que este vem em pé de igualdade com o cumprimento da função socioambiental da terra, ambos dispostos no art. 5º da CF, que trata dos direitos e garantias fundamentais:
“Art. 5º. (...)
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;”
No mesmo sentido se refere o art. 170 da CF, que coloca a propriedade privada e a função social da propriedade como princípios da ordem econômica, fundados na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com finalidade de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
O célebre art. 186 da Constituição deixa claro ainda que o cumprimento da função social da propriedade rural deve atender simultaneamente os requisitos de aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho, e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Portanto, não existe argumento que sustente a tese de insegurança jurídica ou de sobreposição do direito de propriedade em detrimento dos direitos dos povos indígenas e tribais. É inaceitável que entidades empresariais, representantes de um dos Estados recordes de violência contra povos indígenas e trabalhadores rurais, fale em nome destes ou pretenda representá-los. Por fim, é inadmissível que o Estado Brasileiro acolha qualquer manifestação unilateral que coloque em risco a ordem constitucional e acordos internacionais celebrados. A iniciativa empresarial em questão, não passa de um desserviço ao Brasil, já tão maculado pelo garimpo ilegal, desmatamento, grilagem de terra e violência!
Brasília/DF, 19 de julho de 2022.
A Direção da CONTAG e CONTAR.