TCU vai proibir o comércio de madeira até acabar o desmatamento? O Brasileirão até a limpeza da CBF? As obras em todo o país até o fim da corrupção nas empreiteiras?
As perguntas são de Alceu Luís Castilho, jornalista, publicadas em comentário publicado por Outras Palavras, 07-04-2016.
Segundo ele, “o TCU promove um momento obscurantista da história da questão agrária no Brasil. Triste o país (e a sociedade, a imprensa, a opinião pública) que naturaliza esse tipo de escárnio”.
Eis o texto.
Por meio de medida cautelar movida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a elite brasileira exerce seu escárnio contra o andar de baixo ao paralisar a reforma agrária no país. Alegação: fraudes. O Estadão informa que mais de 578 mil pessoas foram beneficiadas irregularmente nos últimos anos; entre elas, 1.017 políticos. Ótimo que se passe o pente-fino. Na reforma agrária, no Incra. Mas a paralisação prima pelo absurdo.
Todos sabem que há fraudes no INSS. Alguém imaginaria a interrupção da Previdência Social no país? Fraudes em bancos: existem. Vamos interromper a ciranda financeira? Corrupção das empreiteiras. Que tal paralisar todas as obras no país? Diante dos descalabros na CBF, cancelemos o campeonato brasileiro. Florestas destruídas? Aguardemos a interrupção do comércio de madeira. Violação sistemática de direitos humanos nos presídios? Que sejam todos derrubados, como fizeram com o Carandiru.
Ou seja, esse atrevimento só é possível porque a reforma agrária beneficia brasileiros excluídos. As nossas velhas vítimas: os camponeses. Punidos por causa dos fraudulentos (como aqueles professores que punem a classe inteira pela traquinagem de apenas um aluno). Que fraudes convenientes, não? Além de usurpar mais uma vez o direito desses brasileiros – expulsos do campo, nas últimas décadas, por motivos econômicos e por violência -, nossa plutocracia ainda arrebenta a perspectiva imediata de distribuição de terras. Em um país onde boa parte delas foi simplesmente roubada.
Sim, a grilagem de terras foi um processo de roubo, de fraudes associadas aos cartórios (neste país cartorial) combinadas com violência sistemática, de jagunços e de policiais, ou mesmo do Exército. Algum órgão público brasileiro determinou, ao longo dessas décadas de espoliação, que fosse interrompida a titulação de terras no Brasil? Ou, pelo menos, a titulação de terras acima de 2 mil hectares, ou de 5 mil hectares, já que os grileiros são conhecidos por sua volúpia? Claro que não. Porque, nesses casos, a elite é que foi beneficiada.
Há dois anos estive em uma área na Rodovia Transamazônica que deveria ser um assentamento. Por lá, porém, nada de assentados. Tornou-se um vilarejo de madeireiros e pecuaristas, em Manicoré (AM), entre Humaitá e Apuí. De lá foram articulados furtos de madeira na Terra Indígena Tenharim, um povo dizimado durante a construção da rodovia, e de lá partiu repressão (com direito a incêndio) aos próprios indígenas, no fim de 2013. O Incra não fiscaliza o desvio de finalidade porque os fiscais têm medo.
Pois bem: é possível ver, nesse vilarejo também conhecido como “170” (a um número do símbolo do estelionato), uma placa sobre financiamento do Banco do Brasil e do governo do Amazonas para a melhoria das vias. Em terra usurpada, terra que era para ser da reforma agrária e que foi transferida para o capital: os mencionados pecuaristas, madeireiros, comerciantes. Pois bem: vamos fechar o Branco do Brasil? E o BNDES, e todos aqueles que financiam obras e empresas corruptas?
Ninguém fará isso porque a nossa elite – política e econômica – sabe bem utilizar seu poder de forma cínica e covarde. Com dois pesos e centenas de medidas para perpetuar a desigualdade. Como se os camponeses fossem culpados pelos crimes cometidos por aqueles que os massacram. O TCU promove um momento obscurantista da história da questão agrária no Brasil. Triste o país (e a sociedade, a imprensa, a opinião pública) que naturaliza esse tipo de escárnio. FONTE: Alceu Luís Castilho - Outras Palavras