O programa de mistura do biodiesel ao diesel está em vigor desde o dia 1º de janeiro no país e a radiografia atual mostra que apenas uma pequena parte do mercado nacional, cerca de 7%, ainda não está adaptada à nova realidade, segundo estimativa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
"São problemas localizados, bem pontuais", afirma Edson Silva, superintendente de abastecimento da ANP. Conforme Silva, entre os problemas estão distribuidoras que não adquiriram o biodiesel em leilões promovidos pela Petrobras - oito de um total de 120 que atuam no país -, gargalos logísticos e até burocráticos, envolvendo produtoras que tiveram problemas com notas fiscais para repassar o produto às distribuidoras.
Mas, embora esse novo e promissor mercado seja considerado líquido e certo, com uma demanda mínima de 800 milhões de litros já neste ano, o programa ainda apresenta sinais de fragilidade, segundo analistas ouvidos pelo Valor.
A grande capacidade de produção é uma delas. Como a capacidade instalada já é muito superior à demanda atual - o dobro da atual necessidade do mercado (de 800 milhões de litros) -, os preços praticados não têm correspondido às expectativas dos investidores. Os custos de produção estão acima dos preços verificados nos leilões da Petrobras. "O governo esperava que o litro do biodiesel saísse entre R$ 2 e R$ 2,20, mas nos últimos leilões da Petrobras as cotações ficaram em R$ 1,807", afirma José Vicente Ferraz, diretor-técnico da AgraFNP.
Em muitos casos, esse valor não cobriu os custos de fabricação, o que inibiu a participação de empresas que não têm escala de produção nos leilões. A soja, cujos preços estão em alta no mercado internacional , representa mais de 90% da base de produção do biodiesel brasileiro.
Neste semestre, a demanda por biodiesel está estimada em 380 milhões de litros. Outros 420 milhões são projetados para o segundo semestre. Até agora, a Petrobras adquiriu 380 milhões de litros, suficientes para garantir o abastecimento no primeiro semestre. Mas parte desse volume, apesar da larga capacidade disponível, é virtual, uma vez que as produtoras têm até junho para entregar o produto. Outros 100 milhões de litros foram adquiridos no último dia 21 de dezembro por Petrobras e Refap (empresa mista controlada pela estatal brasileira e sócia da Repsol), que serão destinados para a formação de um estoque estratégico, explica Silva, da ANP. Segundo ele, outros dois leilões para composição dos estoques acontecerão em março, mas os volumes de aquisição não foram definidos.
Ainda assim poucos acreditam que a Petrobras corre risco de não receber o produto. "Em caso de não entrega dos produtos, as produtoras ficam proibidas de participar dos futuros leilões", explica Silva. A distribuição do biodiesel funciona nos mesmos moldes do etanol. Ou seja, as produtoras vendem o produto para as distribuidoras, que buscam o combustível nessas unidades, efetuam a mistura e repassam para os postos.
As distribuidoras estão atualmente com estoques suficientes para entre dez e 15 dias, de acordo com cálculos de Alísio Vaz, vice-presidente executivo do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom). O volume é superior à estocagem dos outros combustíveis, que serão desovados em sete a dez dias.
Todos os postos de combustíveis começaram o ano com diesel sem mistura em seus tanques. Assim, quando o combustível com a mistura foi diluído sobre esse estoque inicial, a proporção ficou menor que os 2% compulsórios. Nada que implique autuações para os postos, segundo Vaz. "A fiscalização da ANP é feita nas distribuidoras, e não nos postos. Elas é que têm que fazer a mistura".
Segundo ele, os problemas de entrega de biodiesel detectados nas regiões Norte e Centro-Oeste não devem ser alardeados como sinais de falhas do sistema. "É prematuro e irresponsável julgar todo o programa apenas pelos problemas ocorridos no primeiro dia", diz Vaz. "Podem ter ocorrido dificuldades operacionais", afirma.
Nivaldo Trama, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel (Abiodiesel), afirma que uma conjunção de fatores levou governo e empresários a "cair em uma armadilha". A abundância de crédito e a relativa simplicidade da tecnologia empregada na obtenção do óleo para a fabricação do combustível levaram muitas empresas a entrar em um ramo ainda desconhecido no início do programa. "São 49 usinas autorizadas a operar pela ANP, mas dá para contar em uma mão as que têm condições de atender o programa", diz Trama. "Apostou-se na mamona como matéria-prima, mas as empresas mais fortes são as que trabalham com o complexo da soja. A mamona é cara, tem uma lavoura complicada e seu volume ainda é baixo. Não adianta bater em ferro frio. Essa é a realidade". O custo da mamona é alto, de R$ 5,70 por litro, segundo a AgraFNP.
Crédito farto e tecnologia acessível montam, na visão de Trama, o tripé da "armadilha" com outro fator: "ninguém falou com o campo", afirma. "Montou-se um programa consistente, robusto, baseado na inclusão social do campo. A ascensão social de pequenos produtores tem que ocorrer de forma indireta. A maioria das pequenas empresas está desapontada".
A Abiodiesel, que reúne 17 empresas, a maioria de médio porte, tem como um de seus principais pleitos a antecipação da mistura obrigatória de 5% do biodiesel ao diesel de 2013 para 2009. Isso aumentaria a demanda e abriria espaço para empresas menores. Segundo a ANP, a antecipação é estudada, mas deverá ser gradual.
A usina da Comanche Clear Energy, localizada em Simões Filho (BA), é alimentada por um composto que inclui óleo de algodão, girassol, soja e sebo animal. "Estamos tentando evitar o uso de soja em virtude do preço. A margem está muito apertada", diz João Pesciotto, vice-presidente de novos negócios da Comanche. No leilão da ANP, realizado em novembro, a empresa acertou a venda de 20 milhões de litros.
A Comanche afirma ter obtido um pequeno ganho no leilão de que participou, mas pretende aumentar as plantações próprias de matéria-prima para ter um controle maior da produtividade e, assim, aumentar sua escala. Atualmente, metade do insumo consumido pela usina é fornecida por terceirizados. Na quarta-feira, a empresa anunciou um investimento adicional de US$ 14 milhões na planta de Simões Filho. Desse montante, US$ 10 milhões servirão para a compra de áreas para o plantio e para incentivar a agricultura familiar.
As expectativas do governo indicam uma economia de US$ 500 milhões por ano com a mistura de 2% do biodiesel no diesel. Silva, da ANP, diz que o país importa 440 bilhões de litros de diesel/ano. A mistura de 2% vai substituir 7% do consumo do combustível. FONTE: Valor Econômico ? SP