Eduardo Scolese
da Folha de S.Paulo, em Brasília
No comando da principal entidade sindical de trabalhadores rurais, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Manoel José dos Santos disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu amigo pessoal, errou ao efetivar Guilherme Cassel (PT-RS) no Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Em entrevista ontem à Folha, Mané de Serra [Talhada], como é conhecido, disse que Lula, ao escolher Cassel, privilegiou os interesses partidários em detrimento de temas como a reforma agrária e a agricultura familiar. "Deveria ter sido outro ministro", disse.
Ele também criticou a gestão da tendência petista DS (Democracia Socialista) na pasta, entre 2003 e março de 2006 com Miguel Rossetto e, a partir disso, com Cassel. Criada em 1963, espalhada em todos os Estados e filiada à CUT, a Contag representa cerca de 15 milhões de trabalhadores rurais, em pouco mais de 3.500 sindicatos.
Folha - O que o sr. achou da permanência de Guilherme Cassel?
Manoel José dos Santos - Não nos agradou o tratamento que foi dado pelo presidente ao ministério. Nesses quatro anos que convivemos com a DS [Democracia Socialista] no ministério, achamos que muita coisa poderia ter sido diferente. Por exemplo, deveria haver muito mais articulação entre as secretarias [do ministério] e o Incra.
Folha - Qual é a crítica em relação à DS no ministério?
Santos - O gestor público tem que ser alguém com o máximo de imparcialidade, que coloque o serviço público em primeiro lugar. Tivemos muitos encaminhamentos dados no gabinete do ministério em que eram mais priorizados os interesses da força política [no caso, a DS] do que os dos trabalhadores.
Folha - O governo colocou o ministério em segundo plano?
Santos - Acabou sendo o último ministério a ser definido. As contribuições que foram apresentadas pela Contag [ao Planalto] não foram levadas em conta. Ficamos sabendo da definição pela imprensa. O problema não é o nome, e sim a continuidade de uma política. Ao continuar o mesmo grupo político [DS], acho muito difícil que haja uma alteração significativa que responda à expectativa dos trabalhadores.
Folha - E o presidente Lula?
Santos - Ele não precisava ter demorado tanto tempo para simplesmente anunciar a continuidade do que já vinha sendo o ministério. Se ele tivesse decidido em janeiro, a gente teria ganhado três meses em discussões e encaminhamentos. Demorou. E também o critério que prevaleceu foi apenas o de arranjo interno do partido, o que não resolve os problemas do ministério. Deveria ter sido outro ministro.
FOLHA - Essa confirmação do Cassel, sem o apoio de movimentos como a Contag e o MST pode acirrar o clima de tensão no campo?
Santos- Pode causar, sim [um acirramento], se efetivamente as ações que precisam ser feitas não avançarem. Se isso acontecer, o conjunto dos movimentos vai ter que reagir.
Cassel afirma que não comentará opinião da Contag
Procurado ontem pela Folha, o ministro Guilherme Cassel (PT-RS) preferiu não comentar a crítica da Contag de que a DS (Democracia Socialista) prioriza ações da tendência do PT diante de programas das pastas.
"Não gosto de comentar opinião. Falo sobre temas que interessam, agricultura familiar, crédito, seguro, reforma agrária. Essas coisas interessam aos agricultores. Nessas coisas nós temos uma gestão que fez e que fez muito", disse. "Os outros temas são temas da política, para ser tratado num ambiente da política", completou.
Sobre avaliação do presidente da Contag, Manoel José dos Santos, de que o Ministério da Agricultura pode ganhar eventual queda-de-braço com o Desenvolvimento Agrário sobre os índices de produtividade, disse:
"Eu acho um erro pensar os interesses da agricultura familiar e da reforma agrária a partir de uma posição do Ministério da Agricultura (...) O tema dos índices de produtividade será uma decisão política do presidente. Todos os ministros são subordinados ao presidente".