O governo federal lançou seu plano de ação para a Neoindustrialização (2024-2026) dando vida à nova política industrial.¹ O plano estabelece seis missões que norteiam as iniciativas para fomentar o desenvolvimento econômico sustentável, em parceria com a sociedade civil e o setor empresarial. A primeira missão procura estabelecer políticas para o desenvolvimento de “cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética”. O Brasil é uma referência internacional nestas áreas e tem muito a avançar, contando com uma agricultura familiar que ocupa uma posição importante, fornecendo a maior parte dos alimentos que vão para a mesa dos brasileiros e brasileiras.
O Censo de 2017 mostrou que naquele ano apenas 11% dos estabelecimentos da agricultura familiar tinham tratores, contra 24% entre os médios e grandes produtores. Esta proporção caiu para 3% entre os(as) produtores(as) da agricultura familiar beneficiários(as) do Pronaf B.
A nova política industrial prevê o incentivo para o desenvolvimento da indústria nacional de máquinas e equipamentos adequados à agricultura familiar, ampliando de 18% para 70% a mecanização do setor.²
Os dados do governo, referente a 2021, mostraram que o Brasil contava com 82 unidades produtoras de tratores agrícolas, peças e acessórios, empregando diretamente cerca de 8 mil pessoas, sem contar as revendas e o emprego gerado no comércio. Nada menos do que 77% das unidades e 99% do emprego estão concentrados em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Já as empresas de manutenção e reparação de tratores agrícolas são muito mais espalhadas pelo País. Eram 563 unidades gerando cerca de 1.800 vínculos formais, com apenas 34% concentradas nesses três estados, e com forte participação de outros grandes estados produtores como Minas Gerais, Paraná, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Portanto, é importante que a política em apreço descentralize a produção nacional.
O Nordeste, que concentra a maioria dos(as) produtores(as) da agricultura familiar, é carente deste tipo de bem de capital e a nova política industrial deve ser capaz de suprir esta deficiência, tornando o trabalho no campo mais produtivo e menos penoso. A mecanização do campo deve estar conectada com as novas tecnologias 4.0, com a agricultura de precisão e a conectividade do campo. Esta visão está em sintonia com os Programas Nordeste+Sustentável e Rural+Conectado. Os recursos do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (FUST), que devem ser direcionados para ampliação da conectividade no campo, precisam ter como prioridade o atendimento da agricultura familiar.
A nova política industrial também assume o desafio de incentivar a produção de bioinsumos nacionais, substituindo o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos danosos para a natureza e para as pessoas, e ao mesmo tempo permitindo maior autonomia para o país em relação à importação desses insumos. O melhoramento genético animal e de sementes é outro desafio que a nova política industrial procura atacar, com novas fontes de financiamento e mais recursos não reembolsáveis.
A Embrapa, a Finep, e a nova agência Embrapii, criada em 2013, no Governo Dilma Rousseff, são atores fundamentais para a execução das políticas que visam atender a esses desafios. Mas, sabemos que é preciso não apenas desenvolver essas tecnologias, mas fazer com que elas se disseminem e cheguem de fato ao agricultor e a agricultora familiar. Para isso, é preciso trabalhar junto com a educação e a qualificação profissional, a orientação da Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), elevando também as capacidades e a produtividade do capital humano empregado na agricultura familiar.
Entre os 3,9 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar, apenas 18% receberam assistência técnica, segundo o Censo Agropecuário de 2017. A proporção dobra para os estabelecimentos dirigidos para quem tem ensino superior ou mais, e cai para 6% entre os estabelecimentos dirigidos por agricultores(as) familiares que não sabem ler, nem escrever e que representam 26% dos estabelecimentos da agricultura familiar.
Uma política de mecanização e aprimoramento tecnológico para agricultura familiar deve estar alicerçada não apenas do desenvolvimento de máquinas e insumos, e em linhas de crédito para sua aquisição, mas também na ampliação da assistência técnica e na elevação educacional e da qualificação da agricultura familiar, com foco principalmente no Norte e no Nordeste.
O governo colocou as compras públicas entre as ferramentas centrais da nova política industrial. A recriação e expansão do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o reajuste nos valores do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) fazem parte desta estratégia e são fundamentais para garantir a produção de qualidade da agricultura familiar e seu escoamento. Os dois programas são de grande importância para a segurança alimentar do País, beneficiando os(as) estudantes da rede pública, órgãos públicos e os(as) brasileiros(as) mais carentes e vulneráveis atendidos pelo sistema socioassistencial.
O governo inovou nessas políticas ao incentivar a produção orgânica e agroecológica, e da garantia de preços mínimos para produtos da sociobiodiversidade, procurando garantir comida de qualidade para mesa dos(as) brasileiros(as) e, ao mesmo tempo, fomentar o desenvolvimento rural da agricultura familiar. Esta estratégia está ligada também ao incentivo ao cooperativismo e empreendedorismo da agricultura familiar, por meio do programa “Brasil Mais Cooperativo” que visa ampliar a aquisição de alimentos da agricultura familiar por meio das políticas públicas do Pnae e do PAA.
A agricultura familiar tem um papel preponderante nos municípios (em 90% dos municípios brasileiros, 68% do total, têm na agricultura familiar seu maior dinamizador de desenvolvimento), gerando emprego e renda no campo e na cidade, movimenta a economia local, e tendo uma relação direta com a qualidade de vida, por intermédio da manutenção e preservação ambiental, como também da produção de alimentos saudáveis, e para que essa atividade cada dia torne-se mais produtiva, eficiente e, principalmente, mantendo as gerações futuras no campo brasileiro, investindo principalmente na sucessão rural.
A nova política industrial contempla de forma significativa a agricultura familiar, reforçando e ampliando seu papel estratégico de produzir alimentos saudáveis e sustentáveis para contribuir principalmente com a soberania e segurança alimentar e nutricional brasileira, a superação da fome, a preservação ambiental e melhorar a quantidade produzida e o preço dos alimentos, que seja justo para o(a) agricultor(a) e acessível ao(à) consumidor(a).
² O Programa Mais Alimentos, lançado em junho de 2023, tem juros de financiamento de compra de máquinas, equipamentos e implementos agrícolas e agroindustriais adaptados à agricultura familiar reduzidos de 6% para 5%, dentro do Pronaf Investimentos.