18/12/2007
Em julho deste ano, o eletricista montador Rafael Faria Lopes, de 25 anos, viu-se diante de um dilema entre o coração e a razão. Precisava decidir entre ganhar mais ou ficar perto da família. Venceu o coração. Lopes abriu mão dos R$ 3 mil mensais que ganhava para trabalhar na construção da fábrica de celulose da empresa Botnia, no Uruguai, e desistiu de tentar a vida na construção civil, em Salvador, na Bahia, com um salário de R$ 1,3 mil. A saudade da mulher e da filha Maria Eduarda, de quatro meses, que sequer conhecia, o trouxe de volta para sua cidade, Montes Claros, no norte de Minas Gerais, onde recebe R$ 850 mensais trabalhando na implantação da usina local de biodiesel da Petrobras.
O caso de Lopes é um exemplo do impacto provocado pela nova usina em Montes Claros e na região. O mesmo ocorre em outras duas cidades escolhidas pela Petrobras para dar partida ao programa de biodiesel da empresa: a baiana Candeias e a cearense Quixadá. Em comum, as três se situam no semi-árido brasileiro e têm, na produção de biocombustíveis, uma alternativa econômica ao êxodo de trabalhadores para outras cidades do país e, até mesmo, para o exterior, como aconteceu com Lopes. "Não há o que pague poder ficar com a minha mulher e criar meus filhos", diz o eletricista, casado com a estudante Dhayslane Juliana Cardoso Brito, de 23 anos e pai também de Pedro Henrique, de dois anos. "Estava doido para voltar. Graças a Deus não fui para a Bahia nem fiquei no Uruguai, onde há muito preconceito contra os trabalhadores brasileiros", conta.
O programa de biodiesel é um dos 183 projetos da Petrobras incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para instalar as unidades industriais de Montes Claros, Candeias e Quixadá, a estatal investe R$ 570 milhões. As três usinas estão sendo construídas pela empresa de engenharia Intecnial e deverão entrar em operação em 2008, com capacidade para produzir 50 mil toneladas por ano cada uma. Segundo a Petrobras, as unidades beneficiarão cerca de 70 mil famílias, com a geração de 1,2 mil empregos diretos, 400 indiretos e 105 diretos na operação, nas três cidades e em municípios vizinhos.
Em Janaúba, cidade do norte de Minas a 134 quilômetros de Montes Claros, o empresário Osmar Antunes, proprietário da Rimo Industrial, investiu R$ 4 milhões e criou 100 empregos diretos na implantação de uma esmagadora. "Desse total, investi R$ 1 milhão somente para adaptar a empresa às exigências da Petrobras", diz Antunes. A planta vai produzir 1,5 milhão de litros de óleo bruto de mamona, pinhão manso e caroço de algodão para a usina de biodiesel de Montes Claros, com início de produção previsto para o primeiro semestre de 2008. "A Rimo vai trabalhar em três turnos para atender a demanda. Além da venda garantida, as exigências da Petrobras em todo o processo de produção colocam a empresa em outro patamar", afirma o empresário.
A criação da unidade de biodiesel de Montes Claros não gera impacto apenas na quantidade, mas também na qualidade dos empregos. Os salários de empregados qualificados, a exemplo de carpinteiros, mestres de obras, pedreiros e eletricistas, tiveram aumento médio em torno de 30%, este ano. A estimativa é do empresário Osmar Cunha, da Construtora Cosmos, contratada pela Intecnial para obras civis e de edificação da usina no norte de Minas Gerais. A Cosmos, que tem sede em Montes Claros, contratou 60 empregados para o negócio, que lhe garantirá uma receita de R$ 3 milhões, cerca de 30% do faturamento previsto para este ano. "Não existe mais mão-de-obra qualificada disponível na região. A implantação da usina gerou diversas outras obras", afirma Cunha.
Na avaliação do proprietário da Construtora Cosmos, no entanto, o impacto principal da implantação da usina não é financeiro, mas cultural. "Depois de atender a Intecnial e a Petrobras, eu hoje me sinto à vontade para dizer que atendo qualquer empresa do mundo", diz ele. "Tivemos mudanças de hábitos e cultura. A exigência técnica dessas empresas fez com que nós tivéssemos de nos adaptar e dar um salto de qualidade", acrescenta. FONTE: Valor Econômico ? SP