Pouco se lhes dá que os fatos acumulados ao longo de quase duas décadas, em todos os quadrantes do planeta, desmintam explicitamente as suas alegações de que o emprego de organismos geneticamente modificados na agricultura, mesmo com os imprescindíveis controles caso a caso, chancelados por cientistas credenciados, representa uma ameaça de proporções catastróficas ao meio ambiente e à saúde humana e animal. O seu objetivo não é demonstrar o que seria um inimaginável equívoco da ciência de ponta, mas, em toda parte e notoriamente no Brasil, desqualificar aqueles a quem mais abominam - os cientistas independentes que "se dispõem a trabalhar para manter a rigidez dos critérios na emissão de laudos (sobre os pedidos de plantio comercial de sementes transgênicas) fundamentados em ciência, não em crenças". As palavras entre aspas são do matemático Marco Antonio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso, em artigo publicado domingo neste jornal.
Ele se referia ao corpo de especialistas reunidos na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), entidade multidisciplinar vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, instituída para julgar os riscos potenciais de variedades transgênicas cuja liberação é solicitada. No ano passado, apesar das insistentes ações de retaguarda daqueles de seus membros com critérios políticos e não científicos, que se valem de sua condição para impedi-la de funcionar, a comissão conseguiu autorizar o cultivo de sementes de milho criadas para tornar a planta resistente à praga das lagartas e a herbicidas usados contra ervas daninhas. Contrários à decisão, mas principalmente, ao que tudo indica, interessados em solapar a autoridade que a Lei de Biossegurança confere à CTNBio, o Ibama e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recorreram ao órgão de cúpula do setor, o Conselho Nacional de Biossegurança, integrado por 11 ministros, sob a presidência da titular da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Foi dela a iniciativa de consultar a Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a matéria. A AGU entendeu que o Ibama e a Anvisa tinham o direito de recorrer das decisões da comissão, sem, no entanto, que isso pusesse em questão a sua prerrogativa de se pronunciar, com exclusividade, sobre os efeitos do uso dos transgênicos que se queira cultivar no País sobre o meio ambiente e a saúde. E foi esse parecer que norteou a posição afinal assumida pelo conselho, por 7 votos a 4, endossando a liberação de duas das três variedades de milho transgênico autorizadas pela CTNBio, por ser definitivo o seu julgamento técnico garantindo a sua inocuidade. (Os recursos contra a terceira ainda não foram examinados.) A pá de cal colocada sobre o falso problema das prerrogativas da comissão não parece ter encerrado, porém, a questão específica do milho transgênico - comprovando-se, mais uma vez, que as armadilhas continuarão a ser montadas, a qualquer pretexto, para tolher o desenvolvimento da agroindústria de base biotecnológica no Brasil.
Para a Anvisa, com efeito, é como se não tivesse ocorrido o ato do conselho ministerial liberando o comércio de variedades transgênicas do produto. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, um dos quatro votos vencidos na ocasião, anunciou que os alimentos que contenham milho transgênico na sua composição só poderão ser vendidos se a Anvisa considerar o seu consumo seguro. A CTNBio venceu uma batalha. Mas a luta continua. FONTE: Estado de São Paulo ? SP