Protegido por um chapéu velho, embaixo de sol forte, Dirceu Cesário, 62 anos, tenta encontrar no quintal da humilde casa algum material que sirva para fechar o galinheiro que está construindo para abrigar 200 pintinhos. A falta de dinheiro o impediu de comprar a tela para o galinheiro e os pintinhos tiveram que ser acomodados em um cercado improvisado dentro da casa. "A gente está lutando com a vida por aqui e faz tempo que não vemos a cor do dinheiro", desabafa Cesário, mantendo o sorriso, como sinal de esperança.
O casal é uma das 14 famílias do núcleo de Godinhos, zona rural de Piracicaba, contempladas há cerca de sete anos com verbas do falido Banco da Terra, criado para financiar a compra de áreas e a implantação de infra-estrutura básica para pequenos empreendimentos rurais, consolidando o modelo de reforma agrária moderna.
Ao ser desativado pelo Governo Federal em 2003, o programa deixou órfãos os agricultores locais, que dois anos depois de matéria publicada pela Gazeta sobre o tema, continuam na mesma situação: dívida acumulada, falta de dinheiro para pagá-la e investir no cultivo de alguma plantação, nomes incluídos no serviço de proteção ao crédito. "A situação hoje é um pouco pior do que há dois anos, porque com os nomes no serviço de proteção ao crédito, a gente não consegue emprestar mais nenhum dinheiro para voltar a investir. A conta está aumentando, a dívida fica, o prazo diminui e as famílias vão desistindo", contou o agricultor Lázaro Lopes, presidente da Associação dos Agricultores Orgânicos de Piracicaba (Agrofapi).
Lopes afirma que as famílias aguardam a liberação dos recursos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), mas para isso precisarão encaminhar a Brasília um projeto sobre o investimento que pretendem fazer ao receber os R$ 18 mil individuais. O projeto só vale se tiver a participação das 14 famílias. "Das 14 famílias que moravam aqui, 12 desistiram nesses dois anos e abandonaram as casas, derrubaram-nas, foram embora. Conseguimos repor esse pessoal e agora mais duas famílias desistiram de novo", contou o presidente da Agrofapi.
Nessa tentativa de colocar a vida em ordem, os agricultores têm recebido apoio de diversos lugares, como o da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento (Sema), que ajuda mantendo as estradas de terra em ordem e trabalhando em parceria com a Casa do Produtor Rural da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) para organizar o projeto a ser encaminhado ao Pronaf.
O médico veterinário Ademir de Lucas, da Esalq, contou que tem visitado a comunidade para ajudá-la a se organizar e elaborar o projeto necessário para conseguir o recurso do programa nacional. "Entrevistei cada família para saber o que querem fazer. Cada uma tem uma área individual de 14 hectares, falam em trabalhar com galinhas poedeiras, tem um lago onde é possível criar peixes também, estão estudando", disse o veterinário.
Enquanto o projeto coletivo não é viabilizado, cada um faz o que pode para se manter. Lopes conta com a ajuda de um filho jovem para trabalhar como pedreiro na cidade e sustentar a casa. A exemplo dele, outros moradores também vivem de "bicos". "As pessoas trabalham fora e têm animais que dão alimentos para o consumo interno próprio", comentou.
Na casa do agricultor Dirceu Cesário, as 200 aves foram compradas com a intenção de formar uma criação de frangos, que dentro de aproximadamente 45 dias serão abatidos e vendidos para gerar renda a ele e à esposa Lurdes Catarina, 50 anos.
No interior da residência sem reboco, móveis antigos e a velha TV ligada num programa da tarde. Uma lâmpada de no máximo 40 watts, pouco ilumina a sala pequena, onde os pios das aves presas em um cercado feito das madeiras de uma cama velha atrapalha o som da televisão. Na cozinha, sobre o armário, meio saco de farinha, sal, açúcar e café em uma bandeja pequena, mostram que os tempos são de dificuldade.
Mas a alegria do casal, ao sair pela porta da cozinha para o quintal, é a vaca Mansinha, que diariamente fornece o leite para o sustento dos donos e do próprio filhote, o bezerro Baby. Os ovos das refeições são garantidos pelas galinhas. "Não posso perder a esperança de que tudo por aqui vai melhorar. A gente não pode perder a esperança. porque as coisas têm que ficar melhores, senão nem sei o que vamos fazer", disse Cesário. FONTE: Gazeta de Piracicaba ? SP