O governo decidiu ampliar a restrição legal para a compra e arrendamento de terras no Brasil às empresas brasileiras controladas por acionistas estrangeiros. Hoje, apenas as companhias de não-residentes ou com sede no exterior têm restrições para essas operações com terras no país.
Em audiência pública no Senado, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou ontem que, diante da elevação da procura por terras em nome de estrangeiros, prepara a revisão de um parecer publicado em 1997 que eximia as controladas por estrangeiros de pedir autorização antes de comprar ou arrendar terras no Brasil. "O parecer merece, sim, ser revisto. É uma questão de soberania nacional, de dotar o Estado do que é estratégico e que merece regramento", afirmou o consultor-geral da AGU, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Filho. O advogado lembrou aos parlamentares que o "interesse por biocombustíveis" reacendeu o debate sobre a legalidade da aquisição de terras por empresas com controle acionário estrangeiro.
A revisão do parecer, que deve ficar pronta em até 45 dias, obrigará as empresas a pedir autorização ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e ao Congresso Nacional para adquirir terras no país. Na prática, a nova norma equipara essas empresas nacionais com capital estrangeiro às companhias controladas por acionistas não-residentes no país ou com sede no exterior. Em áreas situadas ao longo da faixa de 150 quilômetros das fronteiras é necessária autorização do Conselho de Defesa Nacional. Empresas multinacionais, como a sueca-finlandesa Stora Enso, terão problemas.
Mesmo sob protestos de senadores ruralistas, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, corroborou a tese da urgência em reformar a legislação ao afirmar que o Brasil não tem controle total sobre as compras de terras por estrangeiros. "Ninguém sabe exatamente sobre quem e quantos são os estrangeiros." Na vaga idéia que tem sobre os dados, o Incra registra 33.228 imóveis em nome de estrangeiros, o que soma um total expressivo de 5,57 milhões de hectares. Segundo o presidente do Incra, 3,16 milhões de hectares estão situados na área da Amazônia Legal. "É uma questão de soberania nacional, não de xenofobia", repetiu Hackbart. "E saber qual o destino do território, as regras e as definições". Ele afirmou que os cartórios de registro de imóveis descumprem a lei ao não informar ao governo, nem manter registros atualizados, sobre a compra de terras por estrangeiros. Além disso, o cadastro exigido pelo Incra é declaratório, sem fiscalizações.
Para legalizar a compra por estrangeiros, em caso de novo parecer da AGU, os imóveis rurais com áreas entre 250 e 5 mil hectares serão obrigados a ter registro no Incra, projeto específico aprovado e autorização expressa do Congresso Nacional. "O investimento estrangeiro não é tributado, mas quando alguém produz aqui há esse preconceito retrógrado", protestou a senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO). "Temos que tirar o véu desse preconceito", disse o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS).
O coordenador-geral de Defesa Institucional da Polícia Federal, Fernando Queiroz Segovea, informou ao Senado que a corporação não tem condições de investigar os desvios nas aquisições de terras no país por falta de legislação sobre o tema. "A Polícia Federal recebeu denúncias e pedidos para investigar empresas e ONGs na Amazônia, mas não tem instrumentos legais." Segundo ele, a PF já abriu inquéritos para apurar denúncias por uso de dinheiro público, estadual e federal, para o desenvolvimento de áreas nos Estados do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso do Sul. Segovea informou que a PF vê indícios de crimes de estelionato, evasão de dinheiro público, apropriação indébita e evasão fiscal. "Precisamos de regras claras para uma atuação mais firme para caracterizar esses crimes". FONTE: Valor Econômico ? SP