O tráfico de mulheres, que levou mais de 50 mil brasileiras a se
prostituirem no exterior; a população carcerária feminina, que representa
5% dos presos no Brasil; e a violência doméstica, que tem enfrentado a
barreira da polêmica Lei Maria da Penha foram alguns dos temas
discutidos nesta quarta-feira (9) em audiência pública da Subcomissão
Permanente de Defesa da Mulher, ligada à Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa (CDH).
Na opinião unânime dos debatedores, a promulgação da Lei Maria da Penha
(11.340/06) foi essencial para garantir direitos humanos às mulheres
brasileiras, como prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a
Constituição brasileira, que já completaram 60 e 20 anos,
respectivamente.
Para Aparecida Gonçalves, da Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República (SPM), é um desafio enfrentar a
cultura patriarcal e machista da sociedade brasileira. Exemplo claro
disso é o posicionamento de 80% dos juízes do país, que simplesmente não
aplicam a lei, que aumentou de um para três anos a pena máxima para os
agressores e permite a prisão deles em flagrante.
- A luta agora é para que não seja só mais uma lei no papel - explicou
Aparecida.
A antropóloga Lia Zanotta Machado observou que a violência contra a
mulher sempre foi tolerada no Brasil em prol da "harmonia familiar", e
sobrelevada em relação aos direitos individuais. A lei, acredita ela,
responde a antigos e legítimos anseios das mulheres.
De acordo com a subprocuradora-geral dos Direitos do Cidadão, Ela Wiecko,
ainda é cedo para uma avaliação sobre o aumento ou redução do número de
casos de violência em razão do pouco tempo que a lei está em vigor. Para
a subprocuradora, os casos agora estão mais visíveis, mas ainda há
necessidade de levantamentos estatísticos confiáveis para aferir a
efetividade da lei. Até porque há discussões sobre a constitucionalidade
a respeito da norma, como ocorreu na Espanha com lei semelhante, onde a
mudança não resultou em diminuição aparente da violência.
Germana Morais, juíza e ex-conselheira do Conselho Nacional de Justiça,
considera a lei como essencial para a construção da igualdade entre
homens e mulheres, e anunciou a instalação, até agora, de apenas 17
juizados especiais, enquanto a lei previa um para cada estado, ou seja,
ainda faltam 10.
O promotor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Fausto
Lima relatou sua experiência ao contribuir para a Lei Maria da Penha ser
aplicada pela primeira vez em Brasília, em maio de 2007. Após o
arquivamento, pelo 1º Juizado Especial de Samambaia, de processo por
agressão - já que a vítima, ao ser questionada, negou a violência -, o
promotor requereu o início do processo no Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, independentemente de autorização da vítima, pois houve lesão
corporal. A decisão funcionou como um divisor de águas, estimulando
outros juízes a aplicarem a Lei Maria da Penha, explicou Fausto.
Iranilde Barbosa, da Organização de Mulheres Indígenas e moradora de
Roraima, relatou a luta das mulheres indígenas para fazer prevalecer a
lei Maria da Penha em suas comunidades, mesmo com a opressão e o machismo
dos homens indígenas. Ela contou que essas mulheres pressionam o líder
para que puna o agressor, denunciam os casos nas assembléias e participam
ativamente de seminários e palestras sobre o tema.
A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que foi relatora da proposta,
vibrou com o debate:
- A lei tem suas dificuldades, mas que pegou, pegou.
Carta AbertaSerys Slhessarenko também fez a leitura de uma carta aberta em defesa das
mulheres sul-mato-grossenses. Segundo matéria publicada pelo jornal O
Estado de S. Paulo de 4 de abril, cerca de 10 mil mulheres serão levadas
a julgamento por praticarem aborto em uma clínica de Campo Grande. A
carta diz que "tal iniciativa visa inibir o direito das mulheres de se
insurgirem individualmente contra essa lei que restringe seus direitos e
a autonomia sobre seus corpos, bem como inibir a atuação das organizações
que defendem esse direito". No Brasil, o aborto é considerado uma prática
criminal. FONTE: Agência Senado - 09/04/08