Enquanto não houver uma lei específica, funcionalismo não poderá interromper os serviços considerados essenciais à população
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem aplicar ao funcionalismo público a Lei de Greve do setor privado e, com isso, impôs restrições às paralisações de servidores, que até agora não estavam sujeitos a nenhuma regra específica.
A aplicação é válida até existir uma lei para o serviço público. O governo tem um projeto em análise para enviar ao Congresso, mas ele vem sendo bombardeado pelas centrais sindicais, contrárias às restrições previstas. Sobre a decisão do STF, entidades de servidores fizeram duras críticas porque entendem que o funcionalismo não pode ser submetido a obrigações se não tem os mesmos direitos do setor privado.
Todos os 11 ministros reconheceram o direito de greve do servidor público. Três deles -Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello- foram contrários à transposição para a administração pública dos limites de greve do setor privado.
A decisão do STF permitirá que o órgão público atingido por greve peça a um tribunal a decretação de sua ilegalidade, a proibição de piquetes, a desocupação de locais e a autorização para não pagar os dias parados. O pedido será feito ao Tribunal de Justiça, se for servidor estadual e municipal, e Tribunal Regional Federal ou Superior Tribunal de Justiça, caso envolva servidor federal, disse o ministro Gilmar Mendes.
O serviço público não poderá ser interrompido: os grevistas terão de manter pelo menos 30% das atividades. A lei do setor privado lista os serviços essenciais que não podem ser interrompidos. Entre eles estão a saúde, as telecomunicações e o controle de tráfego aéreo.
Relator de um dos processos, o ministro Eros Roberto Grau disse que "todo o serviço público é essencial" e que, assim, terá de manter um funcionamento mínimo. "O servidor vai ter de encontrar uma maneira de fazer greve sem prejudicar a sociedade. Não pode haver greve prejudicial, que coloque em risco o atendimento à sociedade."
Os grevistas ficam a partir de agora mais expostos ao risco de corte do salário. A lei permite o desconto dos dias parados por acordo ou decisão judicial.
"A virtude dessa decisão é que agora toda e qualquer paralisação de atividade no serviço público está sujeita a um limite", comemorou Grau. Para ele, foi "um julgamento histórico".
Segundo Grau, "no setor privado, o que se disputa é o lucro do patrão, que é obrigado a atender às reivindicações. No serviço público não há patrão. O que existe é o interesse da sociedade, do outro lado".
Duas greves neste ano, no Ibama e no Incra, irritaram até o presidente Lula, que criticou os grevistas. Os servidores do Ibama entraram em greve contra a criação do Instituto Chico Mendes e os funcionários do Incra pararam reivindicando plano de carreira e salários.
A Constituição de 1988 previu o direito de greve do servidor, mas o condicionou à aprovação de uma lei regulamentando-o. O Congresso nunca votou a lei. Os ministros do STF tomaram essa decisão em processos movidos por sindicatos de servidores. Eles entraram com mandados de injunção para que o Congresso fosse declarado omisso e tivesse um prazo para aprovar a lei.
O tribunal decidiu suprir a omissão do Congresso e aplicar a lei do setor privado enquanto não for aprovada a lei específica do setor público. Também deliberou que, no exame de cada caso, a Justiça poderá rejeitar a validade de determinadas normas da lei 7.783 que não valham para o setor público.
Durante a tramitação dos processos, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e sindicatos do funcionalismo pressionaram o STF para deixar a matéria sem regulamentação.
Os ministros chegaram a cogitar dar 60 dias para Congresso aprovar a lei, mas desistiram da fixação do prazo, já que a iniciativa de propor o projeto é exclusiva do governo.
O julgamento começou em maio de 2003 e sofreu sucessivos adiamentos em razão de pedidos de vista dos ministros.
Três ministros defenderam a sua validade apenas para policiais civis do Espírito Santo, servidores do Judiciário do Pará e trabalhadores em educação do município de João Pessoa, representados pelos sindicatos que moveram as ações julgadas. Porém a maioria discordou. FONTE: Folha de São Paulo ?SP