Desde a febre migratória gerada pela condição de nova fronteira agrícola, entre 1975 e 1985, o campo de Rondônia não vivia um período tão evidente de transformação de seu perfil econômico. Pouco a pouco, a geração de exportações, empregos e impostos criados pelo segmento madeireiro está sendo substituída pela forte expansão da indústria de alimentos.
O esgotamento do modelo extrativista vegetal tem favorecido o avanço das indústrias de processamento da produção de leite, carnes, soja, milho, arroz e feijão. Entre 2001 e 2004, o PIB agropecuário teve crescimento médio de 8,8%, chegando a R$ 1,5 bilhão. Os principais pólos são o eixo Ariquemes-Machadinho D'Oeste e Jaru-Ji-Paraná. O setor responde por 15,3% do PIB estadual de R$ 9,74 bilhões - apenas Tocantins (22,8%) supera essa participação no Norte.
A indústria de transformação, sobretudo de alimentos e bebidas, já responde por 23,7% do PIB do setor industrial rondoniense. O segmento cresceu, em média, 10,32% nos quatro anos até 2004, segundo o IBGE. As madeireiras ainda respondem por 25,2% da riqueza industrial. E a produção moveleira, por outros 7,7%.
Nos últimos cinco anos, entretanto, o número de madeireiras minguou. O governo federal, que obrigava os posseiros a desmatar 50% das fazendas para conceder o título da terra na década de 70, passou a limitar a derrubada da floresta aos 20% da área total de cada propriedade. O cerco legal e as pressões ambientais resultaram na redução das operações e na decadência da exploração desenfreada das florestas do Estado. Das duas mil sociedades registradas, que chegaram a gerar 40% do PIB industrial e 90% das exportações, sobraram apenas 600 empresas.
Para compensar a brusca mudança de padrões e exigências, o Estado passou a viver um "boom" na indústria de alimentos. Entraram em operação 14 frigoríficos e 55 laticínios na última década. Atraídas por incentivos fiscais e matéria-prima abundante, grandes indústrias como Bertin, Friboi, Minerva e Marfrig instalaram-se no Estado.
E não deve parar por aí. Hoje, há quatro novos frigoríficos, dois laticínios e um curtume em construção no Estado. "O nosso futuro está na indústria de alimentos, e não em outros segmentos industriais", aposta o secretário estadual de Planejamento, João Carlos Ribeiro. "Seremos grandes produtores de proteína e podemos dobrar a produção em cinco ou seis anos". Os produtores locais utilizam, segundo ele, apenas 40% das propriedades. "Está havendo uma mudança no perfil do produtor com a agregação de mais tecnologia, o que é uma demanda dos frigoríficos, por exemplo", diz Ribeiro.
Dona de um rebanho de 12 milhões de cabeças de gado, Rondônia produz 366 mil toneladas de carne. Em 2006, o produto rendeu US$ 140 milhões em divisas ao Estado - ou quase metade de todas as exportações. Maior produtor de leite do Norte e nono do país, o Estado registrou o recorde de 673 milhões de litros de leite no ano passado - 68% da produção foi exportada.
"A pecuária está mudando com o sistema de integração com a lavoura e o uso de subprodutos para alimentar o gado", avalia o presidente da Federação das Indústrias de Rondônia (Fiero), Euzébio Guareschi. "E vamos ganhar ainda mais competitividade com a intensificação do uso de tecnologia". A chance para as outrora poderosas madeireiras deve ser, segundo ele, a reestruturação do nível tecnológico e a verticalização da produção. O reflorestamento deve avançar sobre o modelo lastreado no corte por manejo.
No segmento agrícola, a bonança também é visível. Mesmo com uma área de 360 mil hectares, ou 7% inferior à safra passada, o Estado produziu 767,5 mil toneladas de grãos (+2,2%) no ano-safra 2006/2007. Mais importante foi o crescimento de 9,9% na produtividade das lavouras. Os avanços vêm de longe. Nas últimas seis safras, a produção de soja cresceu 655%, chegando a 277,5 mil toneladas no ciclo 2006/2007. Terceiro item da pauta exportadora do Estado, o grão rendeu US$ 55 milhões em exportações no ano passado.
Graças ao dinamismo das commodities, Rondônia registrou, em 2006, a quarta maior variação nas vendas externas (52%) do Brasil. No Norte do país, o Estado é hoje o maior produtor de café e o segundo maior de soja, milho, feijão e cacau.
Um diferencial de Rondônia está na sua privilegiada situação sanitária, reconhecida internacionalmente como área livre de febre aftosa com vacinação. Atentos às oportunidades, os pecuaristas tiraram proveito das restrições sanitárias impostas a tradicionais Estados exportadores. Quando se compara os nove primeiros meses deste ano com o mesmo período de 2005, constata-se um consistente avanço de Rondônia no mercado externo.
As vendas de carne bovina aumentaram três vezes e meia - ou US$ 100 milhões. Em 2005, quando um foco de aftosa em Mato Grosso do Sul fechou mercados ao produto brasileiro, a participação do Estado nos embarques externos era de 1,5%. Neste ano, a fatia saltou para 5%, passando do oitavo ao quinto lugar no ranking nacional. Os pecuaristas ocuparam o espaço dos tradicionais Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Pará.
Em meio à euforia do novo ciclo de efervescência econômica, há quem veja limites para uma intensificação na exploração da terra. Arcebispo de Porto Velho, dom Moacir Grechi reclama do legado do 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, lançado em 1974 pelo então presidente Ernesto Geisel, que transformou Rondônia numa fronteira agrícola incandescente. "A soja foi uma desgraça, a pecuária e a extração de madeira também são ruins, uma praga", afirma ele, que desde 1998 comanda 11 paróquias e 600 igrejas do Estado. "A mudança [de padrões de exploração] vai levar tempo. Aqui, as forças da sociedade são menos críticas", compara dom Moacir, que, como bispo em Rio Branco (AC), compartilhou os ideais dos seringueiros liderados pelo sindicalista Chico Mendes.
O consolo para os críticos do agronegócio ainda é o perfil fundiário do Estado, baseado em pequenas propriedades. Legado do modelo de colonização incentivado pelo Incra, 80% das 105 mil fazendas têm até 100 hectares. O presidente da Fiero afirma que 85% da pecuária é desenvolvida em áreas já desmatadas. Para Euzébio Guareschi, a falta de apoio ao setor agrícola impulsionou os pecuaristas. Parece que o novo modelo de desenvolvimento, mais marcado pelas necessidades do mercado, tem levado a uma intervenção estatal mais próxima da realidade da região. FONTE: Valor Econômico ? SP