BRASÍLIA - Quatro comissões reunidas ontem no Senado - as de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), de Serviços de Infra-Estrutura (CI) e de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) - debateram a transposição das águas do Rio São Francisco, proposto pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Uma certeza sobre a transposição do rio certamente ficou evidente: O projeto é realmente polêmico. A convivência conflituosa entre favoráveis e contrários à proposta esteve presente o tempo todo na reunião. O clima esquentou em discussões do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), e o senador César Borges (PR) - ambos baianos -; entre o deputado federal e ex-ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS-CE), com a atriz Letícia Sabatella; e entre o bispo dom Luiz Cappio - protagonista de duas greves de fome antitransposição - e Geddel Vieira Lima.
O projeto de transposiçao é a maior obra individual do PAC, orçado em R$6,6 bilhões. A iniciativa promete levar água do São Francisco a regiões de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, garantindo água para 12 milhões de pessoas. A obra está a cargo do Ministério da Integração Nacional. Ao abrir os trabalhos, o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), comentou que a escassez de água enfrentada pelo Nordeste não é um problema regional, mas de todo o país e, enquanto não for resolvida, o Brasil não pode se considerar um país justo. "Gerenciar essas águas, estabelecer uma distribuição mais justa, sempre foi um grande desafio para o governo brasileiro, que só agora dispõe de instrumentos adequados para fazer com que prevaleça um caráter justo para a distribuição dessas águas", declarou Garibaldi Alves, destacando que 70% da água doce do Nordeste concentra-se no Velho Chico.
Propaganda - Denominada oficialmente de Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, a transposição enfrentou mais de cem manifestações no ano passado. Os opositores - religiosos, estudiosos, entidades sociais como MST, políticos e promotores - alegam deficiência dos estudos de impacto ambiental, prejuízo a terras indígenas e danos a um rio já degradado. O Ministério da Integração sustenta que a revitalização (para a qual foram destinados R$1,3 bilhão) já está em curso. Já refeito dos 23 dias sem se alimentar, em dezembro passado, o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, bateu forte no governo federal, a quem acusou de fazer propaganda enganosa.
De acordo com o religioso, dos 12 milhões de beneficiários apontados pelo governo federal, o projeto deixará de levar água a cerca de dez milhões de pessoas que vivem no semi-árido brasileiro e que ainda não têm acesso seguro à água. Sua abrangência espacial, argumentou o religioso, só atinge 7% do semi-árido. "Mais de 90% do território e suas populações continuarão no abandono e na indigência", acusou. O professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fez coro com dom Luiz. A água que sairá do São Francisco irá irrigar rios perenes e os grandes reservatórios do Nordeste como Castanhão, Mãe D?Água e Engenheiro Armando Gonçalves. Equivalerá a "chover no molhado".
Ciro Gomes acusou os antitransposição de, baseados na observação, induzir a opinião pública a "gravíssimos erros". Já o arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagotto, defendeu que "quem tem sede, apóia" a proposta. Presidente do Comitê Paraíbano em Defesa da Integração (transposição) do Rio São Francisco, Pagotto foi um dos religiosos que criticaram a greve de fome de dom Cappio em dezembro do ano passado.
No seu pronunciamento, César Borges afirmou que Geddel, antigo opositor da proposta, ter mudado de idéia após ter sido nomeado ministro. "Se não pudermos mudar de posição ao conhecer pessoas que entendem mais do assunto do que nós e argumentos convincentes e idéias respeitáveis, o que estamos fazendo aqui, para que vale esse debate, se as posições são imutáveis?", contra-argumentou Geddel Vieira Lima. Vendo a tensão subir, o presidente do Senado interveio. "Essas são agressões pessoais que não podemos permitir num debate como este", advertiu Garibaldi Alves.
Grandes grupos econômicos serão beneficiados
BRASÍLIA - O projeto de integração do Rio São Francisco beneficiará grandes grupos econômicos e não objetiva o abastecimento humano e animal, afirmou dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra (BA), ao falar em audiência pública promovida por quatro comissões permanentes do Senado. Para o religioso, que manifestou sua opinião logo após a abertura da reunião pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, o projeto é retrógrado e vai na contramão da história.
O bispo avaliou que o projeto não adota a nova concepção de gestão da água, que prevê "cuidado e aproveitamento de cada gota de água disponível". O religioso destacou que as prioridades do governo são atividades como cultivos irrigados, criação de camarão em cativeiro e usos industriais, privilegiando o setor econômico em detrimento das necessidades da população. O bispo também afirmou que as obras afetarão as estratégias de sobrevivência de populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
O bispo lamentou que o debate tenha ocorrido após o início das obras de transposição. Ele lembrou que um "amplo e profundo diálogo" foi uma das reivindicações que fizeram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concordar em encerrar seu primeiro jejum contra a transposição. Dom Luiz Cappio recordou que o acordo não foi cumprido pelo presidente, o que o levou ao segundo jejum, depois das obras iniciadas. Ele criticou o Exército Brasileiro por estar trabalhando nas obras da transposição. Na opinião do bispo de Barra (BA), o Exército deveria sim era ajudar a revitalizar o Rio São Francisco e outros grandes rios brasileiros.
Contrários ao projeto de transposição de águas do Rio São Francisco, os atores Osmar Prado, Letícia Sabatella e Carlos Vereza, integrantes do Movimento Humanos Direitos, também participaram da audiência pública. Ao elogiar a Casa pela iniciativa de realizar o debate, Letícia Sabatella considerou tardia a discussão sobre o projeto, cujas obras já se iniciaram. Disse esperar que o debate "não tenha sido um teatro", mas que consiga mobilizar as pessoas, "para que não deixem as decisões à revelia dos governantes". "A água é um direito humano e é necessária à vida. Não pode se reduzi-la à condição de mercadoria. Ainda nem conhecemos toda a riqueza da diversidade do nosso país e já trocamos o que conhecemos por pseudodesenvolvimento, que será a riqueza de poucos", ressaltou ela.
Emocionado, Osmar Prado chorou ao falar da tribuna. Disse, em referência aos oradores que defenderam o projeto de transposição, ter escutado muitos discursos técnicos, com argumentos fortes e gestos teatrais. De outro lado, afirmou ter ouvido, dos contrários à iniciativa, discursos que tiveram o coração à frente da argumentação e o povo brasileiro como prioridade. O ator afirmou que admira a coragem de dom Luiz Cappio, que esteve em greve de fome em protesto contra as obras no final do ano passado, "por doar sua vida em benefício do brasileiro".
Segurança hídrica
BRASÍLIA - Ao defender o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, afirmou que a obra, ao mudar o leito do rio, vai trazer segurança e garantia hídrica a milhões de nordestinos que sofrem com o flagelo da seca. Em discurso da tribuna do Plenário do Senado, Geddel rebateu várias críticas feitas a ele pelo bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, inclusive a de que Geddel já teria sido contrário ao projeto.
Geddel explicou que se trata de um projeto integrado de desenvolvimento, com medidas complementares e de revitalização do Rio São Francisco e que visam, inclusive, recuperar o meio ambiente de eventuais efeitos danosos à natureza. Como exemplo, lembrou que o governo já está replantando matas ciliares, recompondo margens desgastadas e construindo viveiros e cisternas, obras que, segundo avaliou, "combatem o instinto predador do homem".
"Eu queria reafirmar a convicção do governo de que esse projeto é importante para o Nordeste setentrional e importante para o Brasil. É, sim, componente de uma política global de combate às desigualdades regionais que se avolumam na medida em que já vão se transformando em desigualdades intra-regionais", esclareceu ainda. FONTE: Correio da Bahia ? BA