27/02/2008
A disparada dos preços do óleo de soja nos mercados internacional e doméstico, que era considerada uma das principais ameaças ao avanço do programa brasileiro de biodiesel, iniciado em 1º de janeiro, começa a se transformar em obstáculo concreto. Como o produto é a principal matéria-prima para a oferta nacional, sua persistente tendência altista não só aumenta progressivamente os custos para a produção do biocombustível como torna cada vez mais atraente a exportação do próprio óleo. Resultado: das 51 usinas de biodiesel autorizadas a operar no país, pelo menos 30 estão paradas ou com produção esporádica.
Com uma demanda prevista em 800 milhões de litros para este ano, por conta da obrigatoriedade de se misturar 2% do biodiesel no diesel, o governo tem comprometida, por meio dos leilões de compra da Petrobras, uma oferta de 380 milhões de litros. Ainda que parte desse volume ainda não tenha sido entregue à estatal, que administra a distribuição aos postos, se isso acontecer o programa deverá correr sem sustos no primeiro semestre. Para a segunda metade do ano, porém, a garantia de oferta é uma incógnita, uma vez que boa parte dos produtores de biodiesel descarta operar no vermelho.
Edson Silva, superintendente de abastecimento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), reconhece que boa parte das usinas está parada e atribui o fato aos altos custos de produção. Mas, segundo ele, não há riscos de desabastecimento no país. "As usinas que estão em operação devem garantir a oferta".
O Brasil conta com uma capacidade instalada três vezes maior que a demanda, já que as 51 usinas instaladas podem produzir até 2,5 bilhões de litros por ano. Mas os produtores insistem que, sem mercado favorável, não vale a pena ligar as máquinas. "Coloquei minha fábrica à venda", diz Antônio dos Reis Felix, presidente do grupo Gasoil Distribuidora e um dos pioneiros do programa. A Biolix, instalada em Rolândia (PR), começou a operar com biodiesel ainda em 2004. "Fomos a primeira fábrica do Brasil a operar pela rota do etanol, e hoje não vale a pena continuar no setor (...) O governo deveria preparar 30 caixões para 'enterrar' as 30 unidades de biodiesel que estão paradas no país", afirma.
No Mato Grosso, que reúne a maioria das plantas de biodiesel no país, a opção tem sido mesmo o processamento de óleo de soja. É o caso da Abrasoja, de Sorriso. A empresa participou dos leilões do governo, mas não produziu uma gota do combustível até agora, como informou ao Valor uma fonte interna.
Outra que está desanimada é a Ponte di Ferro. A companhia arrendava usinas e no momento está construindo três unidades próprias, mas reclama dos rumos do segmento. "O programa tem alegrias e tristezas. O lado bom é a possibilidade de criar riqueza no campo, mas isso ainda tem ocorrido de forma desorganizada", afirma Carlos Zveibil Neto, sócio-diretor da companhia.
A empresa foi uma das vencedoras do segundo dos sete leilões de compra realizados pela ANP. Os preços acertados, entre R$ 1,799 e R$ 1,830 por litro, foram os mais baixos entre as vencedoras daquela rodada. Seriam entregues 45 milhões de litros. A alta dos preços da soja e do sebo bovino, então base da produção da companhia, inviabilizou a atividade e o contrato foi cancelado, segundo Zveibil. A maior das três usinas em obras da Ponte di Ferro, todas com início de operações previsto para agosto, fica na região de Campinas (SP) e terá capacidade de 40 milhões de litros por ano. As outras duas, ambas com capacidade anual de 15 milhões de litros, ficam na Paraíba e no Rio Grande do Norte.
Apesar dos percalços, Zveibil acredita que o mercado poderá melhorar depois de 2010, quando passará a ser obrigatória a mistura de 5% de biodiesel no diesel. "Esperamos que até lá as vendas possam ser feitas diretamente às distribuidoras, e não exclusivamente pelos leilões".
Segundo Nivaldo Trama, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel (Abiodiesel), entidade que reúne as pequenas e médias indústrias do setor, a intenção da Petrobras de entrar no segmento com produção própria também atrapalha. "Hoje somente as plantas de biodiesel que estão verticalizadas na soja estão preparadas para enfrentar os custos".
Com o tempo, crê Zveibil, a onipresença da Petrobras será diluída. Ele faz contas: "a demanda do mercado hoje é de 800 milhões de litros. Com o litro a R$ 2,20, o faturamento total chega a R$ 1,620 bilhão. Se a Petrobras conseguir abocanhar 10%, o que é um resultado extraordinário, serão R$ 162 milhões por ano. Isso não faz a menor diferença para uma empresa do porte dela", raciocina.
Outra pioneira, a Soyminas interrompeu a produção de sua planta, localizada em Cássia (MG), para melhorias no fluxo de produção da unidade, segundo Valter Egídio, presidente do conselho de administração da companhia. O objetivo é aumentar a produtividade por meio da redução dos custos de produção. "No último leilão, as grandes usinas jogaram o preço lá embaixo. Foi uma estratégia para marcar território. Para nós ainda era viável, mas muita gente não consegue produzir com os preços da última rodada." A unidade da Soyminas operava com girassol, nabo forrageiro e soja. Com as mudanças, poderá obter biodiesel também a partir do pinhão-manso. O aporte é de R$ 3 milhões.
Ainda que, segundo Egídio, a usina até tivesse a possibilidade de obter margens com os preços do último leilão (cerca de R$ 1,80 por litro), a Soyminas deve voltar suas baterias para o mercado externo. "Temos muitos interessados em comprar biodiesel no exterior e o preço que pagam é muito melhor", diz Egídio. A demanda é forte na Europa, mas tem crescido fortemente também o interesse do Japão pelo combustível, segundo ele. "Pretendemos participar dos próximos leilões, mas o foco vai ser fechar o melhor contrato".
Outras usinas aparecem com uma produção irrisória nas estatísticas da ANP, mas por motivos não exatamente relacionados com as dificuldades do setor. A cearense Nutec, ligada ao governo do Estado, é uma delas. A licença concedida pela agência permite produção de 2,4 mil litros por dia, o que não tem sido alcançado por decisão estratégica. "Até podemos vender, mas preferimos deixar a usina dedicada apenas a projetos-piloto de pesquisa com novas fontes para a fabricação de biodiesel", diz Ricardo Mendes, diretor de inovação tecnológica da Nutec. Oiticica, babaçu e víscera de peixe estão entre as matérias-primas pesquisadas. Nas estatísticas da ANP, a unidade da Granol, de Campinas, produziu em seis dos 12 meses de 2006 e em nenhum de 2007. De acordo com a companhia, não houve produção na unidade porque ela está em fase de obras para ampliação. FONTE: Valor Econômico ? SP