Marcelo Brandão
Quase oito meses depois, a queda de um avião bimotor com pouco mais de R$5,5 milhões, na zona rural de São Sebastião do Passé, ainda apresenta desdobramentos associados à cobiça do dinheiro extraviado e até hoje não recuperado totalmente pela polícia. Anteontem à noite, por exemplo, três homens (um deles policial militar) foram presos após seqüestrarem e torturarem três moradores do distrito de Maracangalha, localidade próxima à região do desastre. Armados com duas pistolas e um revólver, os acusados chegaram a balear uma das vítimas, acreditando que estivesse de posse dos valores transportados pela aeronave, saqueada logo após o acidente.
O soldado PM Marcos Afonso Garcez Silva, 38 anos, lotado na 1ª Companhia Independente (Pernambués) e os seus comparsas, o técnico em eletrônica Reinaldo Conceição de Santana, 30, e o comerciante Joanito dos Santos Bastos, 34, foram autuados por tentativa de homicídio, extorsão e porte ilegal de arma pela delegada Daisy Barreto, de plantão na Delegacia de Homicídio (DH). Residente em Passé, Reinaldo é tido como o mentor da ação e autor do convite a Joanito que, como o policial, mora em Salvador.
Baleado na perna, o trabalhador rural Antônio Santos Filho, 21, está internado no Hospital Municipal de São Sebastião do Passé, onde deve ser submetido a cirurgia para retirada do projétil. Depois da queda do avião, a polícia só conseguiu recuperar cerca de R$500 mil, enquanto pelo menos R$ 5 milhões permanecem desaparecidos.
Flagrante - Os três acusados foram presos em flagrante, quando deixavam o distrito de Marancangalha por uma estrada de terra, no Gol de placa "fria" JOX-0093, levando as três vítimas, por volta das 22h. Acionada pela Central de Telecomunicações da Polícia, que foi alertada por telefone, uma guarnição do 5º Pelotão da Polícia Militar (São Sebastião do Passé) abordou o veículo.
Na tentativa de se safar, o soldado Garcez se identificou como policial ao tenente Julião Aguiar de Oliveira, que comandava a guarnição. Acabou sendo preso com os dois comparsas, quando foram descobertas no veículo as vítimas e as armas. Além de duas pistolas 380 e um revólver calibre 38, foi apreendida farta munição, inclusive, de pistola .40, de uso privativo da polícia.
O trabalhador rural ferido foi socorrido ao hospital de Passé e os acusados conduzidos à delegacia local. Como não havia delegado de plantão no momento, foram encaminhados à DH, no Complexo dos Barris, em Salvador.
Tortura - As outras duas vítimas também foram levadas para a DH, onde prestaram depoimento às delegadas Daisy Barreto, da Homicídios, e Salete Amaral, titular de Passé. A cortadora de cana J.J., 32 anos, contou que assistia televisão em sua casa, na companhia do marido Antônio, quando o trio arrombou a porta e invadiu a residência. Segundo ela, os acusados agrediram seu companheiro, exigindo que revelasse "onde estava o dinheiro do avião". Por não dispor da informação, foi baleado numa das pernas por Reinaldo.
Em seguida, os três acusados colocaram o casal no Gol e levaram para a Fazenda Pindoba, onde Antônio foi novamente espancado a socos e pontapés. Mesmo baleado, foi jogado num matagal e teve o pescoço pisoteado pelos algozes, que lhe apontavam a arma e o ameaçavam de morte, caso não revelasse onde estava o dinheiro. A mulher a tudo assistia, imobilizada por um dos criminosos.
Depois de algum tempo de tortura, Antônio acabou dizendo que levaria o trio à casa de um morador de Maracangalha que tinha pego o dinheiro do avião, o também lavrador A.S.C. Retirado da residência, o outro trabalhador rural também passou a ser agredido. Mas, como jurava não saber do paradeiro do dinheiro, foi colocado com o casal no Gol. Segundo o trio, as vítimas seriam levadas a determinado local onde seriam executadas. Uma denúncia anônima à polícia interrompeu os planos dos criminosos.
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Oito meses de terror e morte
Desde que o avião bimotor da Bata Táxi Aéreo caiu com R$5,56 milhões na Fazenda Nossa Senhora de Lourdes, no município de São Sebastião do Passé, em 14 de março deste ano, moradores da localidade de Maracangalha, próximo ao local da queda, vêm sofrendo com ameaças, torturas e invasões de suas casas por homens armados. Após o acidente, pelo menos 13 pessoas do povoado foram espancadas e uma foi assassinada por homens que se apresentavam como policiais e estavam à procura do dinheiro.
A delegada Salete Amaral, titular da delegacia local, diz ter instaurado inquéritos para apurar os casos de agressão, tortura e invasões de domicílios, embora não tenha chegado à autoria de nenhum dos crimes. Segundo ela, os criminosos agiam à noite, muitas vezes encapuzados. Mas, mesmo quando identificavam os bandidos, as vítimas temiam denunciá-los. O caso de anteontem foi o segundo em que a polícia conseguiu prender os autores em flagrante.
Uma parte dos mais de R$5 milhões se espalhou pelos pastos da fazenda, enquanto o restante permaneceu dentro dos destroços da aeronave. Momentos após a queda, os valores teriam sido levados por moradores de Marancangalha e de integrantes de um acampamento do Movimento dos Sem Terra, situado próximo ao local. No acidente morreram os dois pilotos e os dois seguranças da empresa Nordeste Segurança, que faziam o transporte do dinheiro.
Nos dois primeiros dias depois da queda, a polícia só tinha conseguido recuperar pouco mais que R$ 500 mil, com moradores da localidade. Desde então, a população local passou a receber "visitas" de homens armados, que se apresentavam como policiais, invadindo casas e torturavam pessoas à procura do dinheiro.
Além dos 13 casos registrados na delegacia de São Sebastião do Passé, várias outras vítimas procuraram a Corregedoria Geral da Polícia e o Ministério Público, para pedir proteção contra os agressores. Doze dias após a queda, os operários do Pólo de Camaçari Cleonilton da Silva Ribeiro, 29, e Robertson Alves dos Santos, 28, foram presos portando uma pistola calibre 380, quando transitavam no distrito na Honda Twister de placa JOL-9746.
Cerca de dois meses depois da queda do avião, o motorista Evandro Miguês Fraga foi seqüestrado próximo de sua casa, em Maracangalha, passou quase dez horas sendo brutalmente torturado por quatro homens que usavam um GM Corsa Sedan de cor branca. Em 11 de junho deste ano, o fato mais grave: Jailton de Jesus dos Santos, 26, morreu fuzilado em Maracangalha, por homens que também estavam num Corsa Sedan de cor branca. FONTE: Aqui Salvador ? BA