Os agricultores argentinos decidiram paralisar as exportações de grãos e retomar os protestos contra a política agrícola do governo. O locaute foi decidido ontem à tarde, depois do fracasso das negociações com representantes do governo, que duraram pouco mais de um mês. O motivo do protesto é um decreto de 11 de março que aumentou a tributação sobre as exportações de soja e girassol (também chamada retenção). Mas os produtores pedem ainda a reabertura das exportações de trigo e carne, incentivos para a produção de leite, novas linhas de crédito e redução nos preços dos insumos.
Em março os agricultores ficaram 21 dias parados. Com seus caminhões e tratores atravessados nas estradas, eles fecharam a passagem em 300 localidades de sete províncias, impedindo o trânsito de pessoas e cargas em geral, provocando desabastecimento de alimentos, autopeças e outras mercadorias nos centros urbanos. Apesar de as lideranças do setor terem prometido que desta vez não haverá interrupção do trânsito - apenas ocupação das margens das rodovias - os produtores da província de Entre Ríos (os mais combativos desde o começo dos protestos) decidiram em assembléia impedir a passagem de caminhões com cargas agrícolas, inclusive os que vêm do exterior (do Brasil e do Uruguai principalmente).
O governo nunca aceitou voltar atrás na decisão sobre as retenções, o carro-chefe das reivindicações dos produtores. Mas aceitou rever a proibição de exportações de carne, único ponto em que foi possível se chegar a um acordo entre as partes. Na segunda-feira a Secretaria de Agricultura chegou a publicar uma norma no Diário Oficial liberando os embarques. No entanto, até agora as exportações estão paradas sem que ninguém do governo tenha explicado o motivo.
"Há uma decisão de confrontação (por parte do governo)", disse o presidente da Federação Agrária Argentina, Eduardo Buzzi, quando fazia um relato para jornalistas, na sede da entidade, da última e fracassada reunião. Buzzi avaliava que só a vontade de confrontar o setor explicava porquê, em 57 dias, não se pode atender nenhuma das reivindicações dos produtores.
O governo tem jogado duro com os ruralistas e devolveu a eles a acusação de má vontade nas negociações. Alberto Fernández, chefe de Gabinete (equivalente a ministro da Casa Civil) da presidenta Cristina Kirchner, e principal interlocutor com os agricultores, disparou: "O único que recebemos como resposta é a volta à paralisação. Trata-se de um mecanismo de extorsão insuportável", afirmou Fernández.
Alguns observadores destacam, porém, que o governo está aproveitando a crise com os agricultores para acusá-los pela alta dos preços dos alimentos. Foi o que fez a própria presidenta Cristina em um discurso público na terça-feira e também Alberto Fernández ontem. A paralisação de março, disse Fernández, teve como conseqüência "o aumento de preços registrados nas últimas seis semanas", que teria chegado a 15% para os produtos da cesta básica, segundo ele. O lado positivo destas declarações é que o governo, finalmente, está reconhecendo a elevação dos preços no país, que já vem desde o ano passado mas era sistematicamente negada, tanto pelo casal Kirchner quanto por seus funcionários. FONTE: Valor Econômico - 08/05/2008