17/02/2008 15:04h
Por mais de três meses, José Miguel de Sousa dedicou a força de seus braços e o suor de seu trabalho a uma pequena faixa de um hectare para o plantio da mamona no distrito de Horizonte, em Crateús. Com a usina da Brasil Ecodiesel erguendo-se a poucos quilômetros dali, ele embarcou na euforia que contagiou os moradores da região em 2005, aderiu ao programa de incentivos e se comprometeu a fornecer para a indústria. Mas todo o seu esforço foi em vão: com poucas chuvas, a colheita foi pífia. Depois de tanto trabalho, a terra seca do sertão só lhe devolveu 57 quilos da oleaginosa, vendidos por R$ 31,35 à empresa.
A situação de seu Miguel é o extremo de uma realidade que persiste nas áreas zoneadas para o cultivo da mamona no Ceará: apesar do extenso rol de incentivos ofertados pelo governo no âmbito do Programa do Biodiesel, produtores permanecem desinteressados por um cultivo que consideram de baixa rentabilidade e de difícil interação com atividades econômicas tradicionais, como a pecuária e o plantio de milho.
Frustração com as experiências das décadas anteriores, risco de contaminação do gado pelas toxinas da mamona e incerteza quanto à garantia de compra do item. Na avaliação do presidente da Fetraece (Federação dos Trabalhadores Rurais do Ceará), Moisés Braz Ricardo, estes são os maiores empecilhos à ampliação da lavoura da oleaginosa no Estado.
´O último obstáculo é o mais difícil a ser transposto, apesar da assinatura de contratos que prevêem a compra integral da produção´, afirma. Segundo ele, de 2005 para cá, houve períodos em que os estoques de mamona na região de Crateús, onde funciona a Brasil Ecodiesel, superavam a marca de 150 toneladas.
Governo aposta em incentivos
O titular da SDA (Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado), Camilo Santana, reconhece os entraves apontados, mas assegura que todos os termos previstos nos contratos assinados entre os produtores e as usinas, com intervenção do governo do Estado, serão respeitados.
´O Ceará tem o programa mais ousado do Nordeste. Nosso objetivo inicial é garantir que haja a produção e que se estruture o melhor mecanismo de gestão para os produtores´, afirma Santana. Para combater a resistência cultural dos produtores, motivada, como admite o próprio titular da SDA por experiências negativas nos anos anteriores, o governo está garantindo a compra de toda a mamona que for produzida pelos agricultores cadastrados junto a uma das duas usinas.
´Quando o governo federal lançou o programa do biodiesel, muita gente acreditou que bastava produzir para conseguir vender, sem assinar nenhum contrato de fornecimento com as usinas´, relata.
Ele atribui a esta ´produção independente´ a causa pelos encalhes que se formaram em vários municípios. Em sua avaliação, está ocorrendo um ´processo muito semelhante ao que houve com o álcool.
A principal diferença é que enquanto o Pro-Álcool era um programa de exclusão social, que concentrava mais riqueza nas mãos dos grandes produtores, o biodiesel tem o objetivo de promover a inclusão social através da mobilização da agricultura familiar´.
E as usinas estão sendo praticamente forçadas a recorrerem ao pequeno produtor familiar para fabricar o óleo, que desde janeiro é presença obrigatória em todo o óleo diesel do País. Com o início da obrigatoriedade pela comercialização do chamado B2 ? mistura com 2% de biodiesel e 98% do óleo tradicional ? abriram-se as portas para um mercado que tem demanda de consumo superior aos 840 milhões de litros de biodiesel por ano.
Mas quem quer usufruir dos incentivos dados pelo governo tem de recorrer a agricultura familiar para obter pelo menos 50% de toda a sua demanda por oleaginosas.
Ou seja, as usinas terão de recorrer a fornecedores que, no semi-árido, carecem de capacitação técnica e são completamente vulneráveis às oscilações climáticas. FONTE: TV Canal 13 ? PI