A União Européia anunciará em janeiro a adoção de quatro critérios de sustentabilidade ambiental para permitir a importação de etanol e biodiesel, e essas novas regras poderão inviabilizar o desejado crescimento das vendas do Brasil para o bloco.
Bruxelas estabelecerá que um etanol sustentável ambientalmente não pode ser obtido a partir de matérias-primas cultivadas em áreas úmidas ou de florestas. Também exigirá provas de eficiência energética na produção, defesa da biodiversidade e certificação, entre outras medidas.
A UE nunca escondeu sua intenção de adotar um sistema para enquadrar a floresta tropical e combater o desmatamento na Amazônia. Só que a definição de "floresta" - área com mais de 20% de cobertura com árvores de 5 metros de altura - é suficientemente ampla para barrar o biocombustível fabricado em regiões de cerrado denso como norte do Mato Grosso e mesmo o Triângulo Mineiro, segundo um especialista.
Fontes do setor no Brasil insistem que a cana tem produtividade baixa na Amazônia e que o etanol é economicamente inviável na região. Mas o dendê, que se dá bem na área, estaria praticamente vetado pelo conceito europeu. Também há contradições: pelos novos critérios, o etanol poderia ser produzido nas Ilhas Galápagos, um dos principais recantos ecológicos do planeta apesar de não ter florestas.
Outro futuro critério visa limitar emissões de gases de efeito estufa na produção de etanol. Bruxelas exigirá maior eficiência energética desde a produção agrícola até o transporte do biocombustível, passado pelo processamento. Para isso, vai determinar um percentual de "poupança de gás" que a utilização do biocombustível deve permitir.
Nessa frente o Brasil está bem, já que usa bagaço de cana na produção de energia. O etanol do país permitiria redução de emissões entre 80% e 90% na comparação com a gasolina, enquanto na UE e nos EUA o percentual fica em torno de 35%. Mas as cifras são polêmicas. Se o limite de poupança estabelecido for de 50%, só o etanol brasileiro e o biodiesel de dendê passariam no teste europeu. O próprio setor agrícola do velho continente está pedindo que o nível de emissão na produção de biocombustível seja igual ao da gasolina ou do diesel, porque sabe que tem desempenho ecológico medíocre. No outro lado, organizações não-governamentais (ONGs) pedem para a UE ser extremamente dura.
O terceiro critério estabelecerá que biocombustível não poderá ser feito de matéria-prima obtida de terra de florestas não afetadas pela atividade humana ou de áreas protegidas a partir de maio de 2003, data da primeira diretiva européia sobre o tema. Ou seja, as exigências vão além do processo de produção. Se um país desmatou essas zonas para produzir bioetanol, terá que contabilizar também as emissões provocadas pela mudança de uso de terra. Se era floresta há pouco tempo e houve desmatamento, o biocombustível dessa área não passa no critério e fica inviabilizado comercialmente.
O quarto critério visa incentivar a produção dentro da UE, para atender aos critérios ambientais da Política Agrícola Comum (PAC). A UE vai adotar a diretiva para garantir que 20% da energia usada em seus 27 países-membros venha de fontes renováveis até 2020. Todos os combustíveis para transportes deverão conter pelo menos 10% de "agrocombustível" até lá. Isso significa o de uma grande quantidade de biocombustível para o setor de transportes, mas a meta só será alcançada com importação significativa porque a produção do bloco será insuficiente.
Assim, os países, para cumprir suas metas, precisarão importar biocombustível, forçosamente com o selo ambiental. Poderão importar outro tipo de etanol, mas aí sem contabilizar a redução de emissões de gases e nem se beneficiar de incentivos fiscais. Na prática, o etanol sem certificação ficará fora do mercado. Com as tarifas européias, o etanol brasileiro é mais caro que a gasolina. Só se usa etanol com incentivo fiscal ou para cumprir metas de redução de emissões - e isso fará os europeus pressionarem os brasileiros a se enquadrarem na diretiva.
Por outro lado, União Européia quer fazer acordos com países que têm seus próprios sistemas de certificação. O Inmetro está desenvolvendo uma proposta para isso. A Comissão Européia é mais liberal do que outros setores europeus, como o Parlamento, mais inclinado a impor sua própria certificação de etanol.
Haverá muita discussão sobre essa diretiva. ONGs estimam que Bruxelas impõe "limitados" critérios de sustentabilidade para evitar o desmatamento das florestas e outros estragos em regiões úmidas - Sudeste Asiático, por exemplo. E que ignora outros importantes ecossistemas, como o cerrado brasileiro, segundo a organização "Amigos da Terra". A UE diz que seus Estados-membros podem adotar critérios mais detalhados, desde que qualquer biocombustível que atenda a norma européia seja aceito em seu território.(AM) FONTE: Valor Econômico ? SP