Os conflitos por água tem se acirrado, assim como os conflitos pela terra, e trata-se de uma questão de soberania nacional. Só em 2016 foram registrados 172 conflitos, com dois casos de assassinatos, envolvendo 44 mil pessoas. Os conflitos são causados pelas hidrelétricas e mineradoras contra ribeirinhos, agricultores(as) familiares, quilombolas, como vem acontecendo na bacia do rio doce em Minas Gerais. O estado mineiro é o campeão em conflitos pela água. Seguido pelo Pará e Bahia, consecutivamente.
Para debater sobre as questões hídricas, a CONTAG promoveu um Seminário com a Região Sudeste, nesta quarta-feira (08), que contou com um bom número de participantes dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, em Serra/ES.
Para o presidente da FETAES, Julio Cezar Mendel, é de extrema importância discutir a questão da água com a Regional Sudeste. “Essa é uma problemática que os quatro estados estão enfrentando. Não aceitaremos essa cobrança abusiva de uso da água contra a agricultura familiar”.
Essa questão da cobrança também é denunciada e criticada pela secretária de Formação e Organização Sindical da FETAES, Augusta Búffolo. “É inadmissível a agricultura familiar pagar valores exorbitantes pela água. A agricultura familiar não aceitará pagar por isso. É ato imoral, é ilegal!”.
Já a secretária de Meio Ambiente da CONTAG, Rosmarí Malheiros, destaca que esse debate partiu de uma demanda forte apresentada pela Regional Sudeste, e que também está sendo discutida nas outras regiões do País. “A agricultura familiar é guardiã da natureza, da preservação das nascentes. Portanto, precisamos fortalecer esse diálogo”.
O secretário de Agricultura de Santa Maria de Jetibá/ES e diretor do STTR, Egnaldo Andreatta, participou do seminário e relatou que em seu município a população está fazendo campanha e abaixo-assinado para que a agricultura familiar não seja obrigada a pagar conta exorbitante da cobrança de água. “O Sindicato precisa estar atento às lutas pela água, pois sem água não há agricultura familiar”, defende.
Durante o debate, muitas lideranças fizeram intervenções. Uma delas, Merci Pereira Fardin explicou: “Em que se consiste a Gestão integrada da água: crise hídrica e consumo racional para os trabalhadores do campo e da cidade”. Também destacaram o papel da Amazônia na regulação da água, ainda mais com o avanço das mudanças climáticas.
A LUTA PELA ÁGUA
A discussão contou, ainda, com a contribuição da coordenadora do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), que fez uma profunda reflexão sobre a questão hídrica, a importância da água e da luta por este bem.
O QUE É O FAMA? Para entender o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) faz- se necessário compreender primeiro o Fórum Mundial da Água (FMA), que é também denominado como o Fórum das corporações. O 8º Fórum Mundial (das Corporações) acontecerá em Brasília, dos dias 18 a 23 de março de 2018. Esse evento, como vem sendo divulgado, reunirá os principais especialistas, gestores e organismos envolvidos na gestão e preservação dos recursos hídricos do planeta, envolvendo cerca de 70 países.
O FMA terá todo o apoio do governo local e do governo federal. Estima-se reunir em torno de 30 mil pessoas. O Fórum e o Conselho Mundial da Água são vinculados a organizações privadas, em especial as grandes corporações multinacionais, que tem como meta impulsionar a mercantilização da água; a intensificação das práticas de transposição de bacias hidrográficas privilegiando o atendimento das demandas por água a qualquer preço em detrimento da sua gestão; a construção de barragens para os mais variados fins afetando de forma significativa populações ribeirinhas sem considerar impactos sociais e culturais; a apropriação e controle dos aquíferos subterrâneos; entre outros.
Avalia-se pelas entidades que compõem a coordenação do FAMA que o evento do FMA será um grande mercado de água, com a presença de grandes empresas como a Coca-Cola, a BUNG etc.; os interesses destas empresas são de apropriação das reservas de água para gerar lucros extraordinários. Esta prática impõe fortes impactos financeiros e restrições de acesso à população de todo o mundo, afetando, sobretudo os mais pobres.
Já o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) é resultado de um processo de construção coletiva com diversas entidades, entre movimentos sociais urbanos e do campo, de luta ambiental – tanto no âmbito nacional como internacional. Esse Fórum se realiza em contraposição ao Fórum Mundial da Água. A programação alternativa do FAMA será em março de 2018, com o tema Água é direito, não mercadoria. Deverá reunir 5 mil pessoas.
O objetivo do FAMA é questionar a privatização da água, do saneamento básico, dos recursos naturais e a exploração deles por grandes empresas. Pela garantia da soberania nacional, dos direitos humanos e preservação do planeta.
Os principais desafios do FAMA são: 1. Criar comitês estaduais permanentes, propositivos e não só para a discussão pontual do Fórum no ano que vem, mas que seja um esforço coletivo que será levado a frente posteriormente ao FAMA. 2. Fazer um grande evento de massas paralelo ao fórum das corporações. Para isso é fundamental a participação do nosso campo de articulação que debate o tema da água. 3. Mobilizar a sociedade para defender a água como bem público que não deve estar sob o controle de meia dúzia de empresas. 4. Incluir nas discussões representações quilombolas e indígenas. 5. Concretizar as relações e integração internacional com o FAMA – contato com a Europa, América, etc.
RESULTADOS DO DEBATE
O debate também teve continuidade em grupos, que discutiram temas como “Agricultura Familiar produtora de alimentos e guardiã da natureza” e “Agricultores e agricultoras familiares comprando água mineral, pois as águas estão contaminadas por agrotóxico”.
Dessa discussão em grupos saíram vários encaminhamentos. Entre eles:
- A CONTAG precisa passar informações atualizadas para as Federações sobre o FAMA– com maior detalhamento sobre o assunto;
- Efetivar a participação da Regional Sudeste no FAMA;
- Multiplicação do FAMA nos estados e municípios;
- Para combater a cobrança de uso da água para a agricultura familiar, realizar abaixo-assinados, audiências públicas, participar dos comitês de água, entre outras ações.
Outros encaminhamentos que saíram como resultados desse debate foram a solicitação da Regional Sudeste para que a Secretaria de Meio Ambiente da CONTAG visite a barragem de Mariana/MG para compreender a problemática que foi ocasionado pelo maior impacto ambiental no Brasil, ocasionado pela Samarco; e a realização de um curso para a Regional Sudeste na prática sobre agroecologia – com 5 módulos em 1 ano, aplicando a pedagogia da alternância.
COBRANÇA ABUSIVA NO ESPÍRITO SANTO
Ao final do seminário, as Secretarias de Meio Ambiente da FETAES e da CONTAG realizaram uma reunião interna com os STTRs capixabas para deliberar sobre algumas medidas de enfrentamento à possibilidade de início de cobranças abusivas de uso da água pela agricultura familiar.
Segundo o secretário de Política Agrícola e Meio Ambiente da FETAES, José Izidoro avaliou que esse debate e os encaminhamentos aprovados com os STTRs significam um divisor de águas para o movimento sindical. “Já tínhamos um diálogo aberto no estado com o Coletivo de Meio Ambiente, que havia apontado a necessidade de criarmos um Grupo de Estudo para aprofundarmos o debate sobre o que realmente está por trás dessa forte investida do governo e das empresas na tentativa de privatizar a água, ou seja, transformar a água em uma mercadoria. Para nós, do Espírito Santo, essa questão é muito preocupante, pois está havendo uma pressão muito forte nos comitês de bacia para que comecem a cobrar pelo uso da água, principalmente o uso pela agricultura familiar”. O dirigente aproveita para reforçar o que a agricultura familiar reivindica. “Na verdade, a agricultura familiar precisa de investimento para fazer a preservação ambiental para aumentar a capacidade de reservação de água para superar a crise hídrica. O nosso movimento sindical sempre fez a luta pela reforma agrária e agora vemos claramente a necessidade de arregaçarmos as mangas para fazer a luta pelo direito à água.”
A secretária de Meio Ambiente da CONTAG, Rosmarí Malheiros, elogiou a iniciativa da FETAES e STTRs em discutir esse tema e aprovar ações a serem trabalhadas. “O Espírito Santo vem dando ênfase à discussão das questões hídricas e nós da CONTAG estamos muito satisfeitos. Estamos levando uma bagagem muito grande de conhecimento e de encaminhamentos. Esse debate daqui, com certeza, trará mais vigor para o nosso trabalho e precisamos trabalhar com mais intensidade a questão ambiental”.
Depois de um debate forte e intenso, a FETAES deliberou com suas regionais:
1. Proposta do ES para o FAMA A FETAES deve aprofundar o papel do FAMA com os sindicatos no ES a partir de oficinas, ampliar a sua participação e elaborar material explicativo.
2. Plano Estadual de Recursos hídricos – coordenação AGERH Os sindicatos precisam participar dos comitês de bacias, conhecer o plano, multiplicar a experiência de Santa Maria em outros municípios, ampliar os espaços de debates para fora dos comitês, e conhecer a resolução da ANA sobre os comitês como usuários.
3. Estratégias para combater a cobrança de uso da água para a agricultura familiar do Espírito Santo Referendar um grupo de estudos para aprofundar o tema – tanto a nível estadual como regional, para fortalecer o debate dentro dos comitês, ampliar a participação nos comitês locais, realizar audiências públicas, aprofundar o tema entre o MSTTR do ES, criar um Grupo de Trabalho do Fama ES e outra Grupo de Estudo para alinhamento das ações que serão trabalhadas no comitê de bacias. FONTE: Secretaria de Meio Ambiente da CONTAG