O ano começa com uma novidade no setor de combustíveis brasileiro: 2008 marca o início da adição de 2% de biodiesel ao diesel mineral. Em 2010, esse percentual deve subir para 5% e, dependendo do desempenho do setor e do próprio mercado de combustíveis, novos percentuais poderão ser estabelecidos, ampliando ainda mais a participação dos combustíveis renováveis na matriz energética. O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) completa apenas dois anos, mas já mostra que veio para ficar. Com o biodiesel, o Brasil mostra ao mundo uma forma inovadora, ambientalmente sustentável e socialmente justa de produzir combustíveis.
Talvez, o viés mais importante deste programa é o fato de ele aliar a produção de um combustível verde, ambientalmente sustentável, com inclusão social. Como é um combustível que se planta, a sua produção traz benefícios ao meio rural, especialmente aos agricultores brasileiros. O Programa já incluiu 100 mil famílias no cultivo de oleaginosas em todo o país, que tiveram suas rendas complementadas em até R$ 3,5 mil ao ano, graças ao biodiesel. É importante assinalar que a agricultura familiar, este importante segmento da economia brasileira, responsável por 10% do PIB, foi vista com preconceito e descrença de que cumpriria prazos na produção de oleaginosas. Dois anos depois, o que se vê são produtores que se capacitaram, aprenderam a plantar novas culturas e hoje participam ativamente da cadeia de produção do biocombustível.
É importante assinalar, ainda, que a plantação de oleaginosas para a produção de biodiesel não substitui, em nenhuma hipótese, a produção de alimentos na agricultura familiar. O biodiesel é, antes de qualquer coisa, uma possibilidade de agregação de renda, uma renda adicional. As oleaginosas são cultivadas em forma de consórcio com as outras culturas, razão pela qual o agricultor não precisa escolher entre uma cultura ou outra podendo agregar uma cultura nova ao que sempre plantou. É preciso destacar também a segurança que a produção do biodiesel leva ao campo. Pela primeira vez na história, os agricultores familiares, especialmente os do semi-árido brasileiro, estão experimentando relações de produção que lhes dão segurança para seguir trabalhando e produzindo.
É bem verdade que houve um injusto preconceito contra a agricultura familiar e descrença quanto à eficiência dos produtores rurais em garantir matéria-prima para a produção do biodiesel. Hoje, os resultados mostram que este preconceito deve ser definitivamente exterminado. Apenas nos dois últimos leilões realizados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), em novembro, a agricultura familiar participou com 162 mil hectares de oleaginosas (mamona, soja, girassol, palma, amendoim, entre outras). Os agricultores familiares se capacitaram. Aprenderam a plantar novas culturas e hoje têm renda extra de até R$ 3,5 mil por ano.
Agricultores familiares estão experimentando relações de produção que lhes dão segurança para trabalhar e produzir
A experiência brasileira é única ao tratar da produção de combustível, ligando a sua produção ao combate aos efeitos do aquecimento global e a geração de renda no campo. O PNPB já está dando certo e poderá ser referência importante para dezenas de países em desenvolvimento que poderão se inspirar na experiência brasileira, gerando renda e trabalho para centenas de milhares de famílias no campo, ao mesmo tempo em que contribuem para a construção de uma matriz de combustíveis mais sustentável.
O conhecimento e a tecnologia acumulados pelo Brasil na produção de biodiesel representam uma grande oportunidade para impulsionar o desenvolvimento do nosso país e ajudar o mundo a encontrar alternativas energéticas ambientalmente sustentáveis. É possível combinar produção de alimentos com produção de energia sem aumentar a concentração de terras, a exclusão social e a destruição do meio ambiente. Mas essa combinação só será possível se não repetirmos erros do passado que provocaram um pesado passivo social e ambiental. A experiência brasileira com o biodiesel vem mostrando isso de modo absolutamente inovador.
Precisamos ter a sabedoria de transformar essa oportunidade em políticas de geração de emprego e renda e não de novas exclusões, em políticas que resultem em sustentabilidade ambiental e não em novas destruições, que fortaleçam a segurança alimentar e não a enfraqueçam. Essas políticas são orientadas por um sentido de desenvolvimento que prioriza o fortalecimento da agricultura familiar e incentiva o desenvolvimento regional. Trata-se de uma agenda que reforça a necessidade da política de Reforma Agrária com geração de emprego e renda, regulação da ocupação de terras, construção de uma matriz energética diversificada e com o incentivo à agricultura familiar que produz a maior parte dos alimentos consumidos na mesa dos brasileiros. Os resultados obtidos até aqui mostram que estamos diante de uma grande oportunidade de melhorar a qualidade de vida do nosso povo, de construir um novo padrão de desenvolvimento e de ajudar o mundo a enfrentar a crise energética e ambiental.
Guilherme Cassel, engenheiro civil, é ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário. FONTE: Valor Econômico ? SP