Um novo tipo de cacau, manejado sob cuidados dignos das mais valorizadas uvas, vem ganhando impulso no mercado baiano. Trata-se de um cacau que gera, para quem produz, o dobro do lucro obtido com o fruto tradicional. Hoje, dez produtores estão nesse mercado e, por conta da alta rentabilidade, a produção do chamado cacau fino cresceu, entre 2005 e 2007, 130% e chegou a 70 toneladas, segundo a Associação dos Produtores de Cacau Fino (APCF).
João Tavares é um dos que apostaram no negócio. Cansado de enfrentar perdas nas safras por conta da vassoura-de-bruxa, que reduziu drasticamente a produção, ele resolveu buscar compradores que produzam um chocolate de alta qualidade e, para isso, demandem um cacau também melhor. Durante quatro anos pesquisou técnicas de manejo do cacau e leu tudo a respeito da fermentação para aprender como o processo pode alterar o sabor da semente.
O esforço valeu a pena. Ele conseguiu entrar em um mercado que tem como principais fornecedores República Dominicana, Equador e Venezuela. Tavares vende suas amêndoas para Pierre Marcolini, chocolateiro belga que, em 1995, ganhou o primeiro lugar no campeonato mundial de doces e, em 2000, levou o prêmio na versão européia da competição. Agora, Tavares está sendo sondado por compradores americanos.
A diferença entre o cacau comum e o chamado "fino", certificado pela APCF, está na seleção dos frutos e na maneira como ele e suas amêndoas são manipulados. Apenas 40% do cacau colhido por Tavares é vendido como especial, pois a seleção dos frutos é criteriosa.
Os custos desse manejo não são maiores que os do tradicional, mas a arroba do cacau fino é vendida pelo dobro do preço do comum. Já o quilo do chocolate produzido com a semente selecionada chega a custar R$ 120, cerca de quatro vezes o valor do chocolate fabricado com o cacau não selecionado.
No manejo, há um cuidado todo especial na remoção das sementes. A quebra do fruto é feita com facão e precisa ser cautelosa para não cortar a sementes. As amêndoas sem cotilédone, ou seja, que só têm casca, são descartadas. O mesmo acontece com as que germinaram. No processo de manejo do cacau comum, todas essas sementes são levadas para a secagem e fermentação.
Iniciativas como a de Tavares são poucas, mas a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) quer mudar isso. Além de estimular os produtores por meio de cursos para ensinar como fazer o cacau fino, quer dar condições para que processem as amêndoas.
No fim de abril Itabuna ganhará uma incubadora onde os agricultores poderão processar cacau e fazer massa e líquor, matérias-primas para o chocolate. Em Ilhéus, o plano é mais ambicioso e a pequena fábrica a ser instalada pela Ceplac até o fim do semestre poderá produzir chocolate. "A unidade é pequena, mas já é um começo para os agricultores começarem a tentar entrar nesse mercado", diz Raimundo Camelo Mororó, pesquisador da Ceplac.
Os cochos utilizados para a fermentação do cacau fino são menores do que os normalmente usados pelos produtores. Comportam cerca de 500 quilos de sementes, ao invés de 900 quilos. Com menos sementes no recipiente, é possível controlar melhor a fermentação e permitir que a temperatura seja mais homogênea. O tempo de fermentação é maior: entre cinco e sete dias. Na produção tradicional, feita por cerca de 25 mil cacauicultores no Estado, o tempo é de dois a três dias.
O segredo do cacau produzido por Tavares está principalmente na fermentação. Ele não abre o jogo, mas é por meio dela que consegue obter amêndoas com quatro diferentes "sabores": frutado, florado, amendoado e um que lembra coco.
O sabor mais vendido é o frutado, desenvolvido em parceria com uma fábrica de chocolates de Santa Catarina, a Nugali. A empresa tem quatro anos e só produz chocolates com pelo menos 60% de cacau. Não há a adição de gordura vegetal, como na maioria dos chocolates, e utiliza-se pouco açúcar. Com o cacau fino, a Nugali faz um chocolate chamado Serra do Conduru, região onde fica a fazenda.
Maitê Lang, diretora de operações da Nugali, conta que esse chocolate é um produto 100% nacional e chamado "de origem", por ser feito com cacau de uma única fazenda. Foi lançado em outubro de 2007 e é vendido em pequenas barrinhas de 85 gramas. Por ora, só para o mercado nacional. "A aceitação está sendo muito boa", diz. A procura por chocolates com alta porcentagem de cacau e ricos em flavonóides, substância com propriedades antioxidantes que ajuda na prevenção do câncer e doenças cardiovasculares, fez a receita da Nugali crescer 50% desde 2004. Em 2007, foram produzidas 100 toneladas, e a expectativa é de novo crescimento forte este ano.
O cacau fino está longe de ser a panacéia para os problemas da cultura na Bahia, mas pode ajudar alguns fazendeiros a aumentarem sua renda com a lavoura. "É a mesma historia do vinho. Nem todos vão conseguir fazer um cacau de qualidade, é preciso dedicação. Mas é uma alternativa", diz João Tavares.
Para Mororó, da Ceplac, não adianta querer que todos os produtores passem a produzir esse tipo de cacau. "Não há mercado para isso. E ainda que exista, é competitivo e exigente. Podemos, porém, começar a explorá-lo e a impulsionar novos produtores". FONTE: Valor Econômico ? SP