Aparecida Tokumi Hashimoto
Quando da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, o artigo 7º excluía da sua aplicação os trabalhadores rurais que, segundo a lei, seriam aqueles que exerceriam funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária. Além disso, a lei requeria que as atividades em que eram empregados os trabalhadores não se classificassem como industriais ou comerciais pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações.
Essa redação suscitou controvérsias, porque alguns entenderam que as atividades a que se referia a lei eram as dos empregados, ou seja, os trabalhadores eram classificados como rurais em decorrência da natureza dos serviços prestados. Assim, segundo esse critério, o carpinteiro que prestasse serviços em uma granja, não seria rural, porque suas funções não estariam ligadas diretamente à agricultura ou à pecuária.
Entretanto, verificou-se que essa não era a melhor interpretação da lei, porque o empregado é simples fator de produção. Hoje, o critério preponderante para caracterizar ou não como rural uma empresa é a finalidade da exploração econômica, conforme se depreende do Estatuto do Trabalhador Rural.
Com efeito. Empregador rural, nos termos do artigo 3º da lei 5.889/73, é a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explora atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de emprregados.
Conforme Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, "por atividade agroeconômica entende-se a atividade agrícola, pastoril ou pecuária que não se destina, exclusivamente, ao consumo de seus proprietários" (JORGE NETO, Francisco Ferreira Jorge e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa, Manual de Direito do Trabalho, Tomo II, 2º edição, pág. 1238)
Também é equiparado ao empregador rural a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em caráter profissional e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante utilização do trabalho de outrem (art. 4º, da lei 5.889/73).
No decreto nº 73.626/74, que regulamenta a lei 5.889/73, empregador rural é aquele que desenvolve atividade econômica consubstanciada na exploração industrial em estabelecimento agrário (§ 3º, do art. 2º).
O artigo 2º, § 4º, do decreto nº 73.626/74, por sua vez, explicita que exploração industrial em estabelecimento agrário são as atividades que compreendem o primeiro tratamento dos produtos agrários in natura sem transformá-los em sua natureza, quais sejam: a) o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos produtos agropecuários e hortigranjeiros e das matérias primas de origem animal ou vegetal para posterior venda ou industrialização; b) o aproveitamento dos subprodutos oriundos das operações de preparo e modificação dos produtos in natura.
Por outro lado, não é empresa rural, aquela que realiza a primeira transformação do produto agrário, ou seja, que altera a sua natureza, retirando-lhe a condição de matéria-prima (§ 5º, do art. 2°, do decreto nº 73.626/74).
Destarte, é a natureza da atividade econômica desenvolvida no estabelecimento agrário que irá determinar se a empresa é rural ou urbana. Da mesma forma, não é a natureza do serviço prestado pelo empregado que vai definir a sua categoria profissional como urbano ou rural, mas sim a atividade do empregador.
De fato: se o estabelecimento se destina à exploração agrícola ou pecuária, o trabalhador que aí presta serviços é rural, já se as atividades são comerciais ou industriais, o trabalhador é urbano. Por exemplo, se numa fazenda de cultivo de cana há uma usina de açúcar, os trabalhadores que prestam serviços na usina não são rurais, pois a atividade é tipicamente industrial.
No entanto, a jurisprudência excepciona no caso de empresa de florestamento e reflorestamento, cujos empregados são rurais. A adoção desse entendimento indica que a jurisprudência usou um critério antigo para enquadrar como rurais trabalhadores exercentes de funções que são tipicamente rurais, tais como capinador, matadores de pragas, etc.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
"IDENTIFICAÇÃO DO EMPREGADO RURAL. PROEMINÊNCIA DA FIGURA DO EMPREGADOR RURAL EM DETRIMENTO DA NATUREZA DA FUNÇÃO PARA A QUAL FOI ADMITIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 2º, DA LEI 5.889/73, A PARTIR DO QUAL SE DEPARA COM A INAPLICABILIDADE DA DIFERENCIAÇÃO PRECONIZADA NO § 3º, DO ART. 511, DA CLT. Colhe-se do art. 2º, da Lei 5889/73, ter o legislador optado pelo critério do trabalho prestado a empregador rural, a fim de identificar o rurícola, em detrimento daquele anteriormente associado à natureza da função para o qual admitido. Levando-se em conta a preponderância da atividade econômica da empresa, consubstanciada na exploração da silvicultura e da agropecuária, não pairam dúvidas sobre a sua condição de empresa rural e por tabela a de rurícola do empregado contratado, em que pese o ter sido como motorista, por conta da inaplicabilidade da diferenciação de que trata o § 3º, do art. 511, da CLT. É que o compulsando se constata ter sido eleito pressuposto da diferenciação o exercício de profissão ou função nas condições ali especificadas, do qual não cogitou a legislação extravagante, clara ao dar proeminência, para fins de filiação sindical, à figura do empresário rural. Com isso é de se convalidar a decisão de origem que rejeitou a prescrição qüinqüenal em prol do biênio fluente da dissolução do contrato, nos termos do disposto na alínea "b", inciso XXIX, art. 7º, da Constituição de 88"
(RO 006941/1993, Ac. 004500/1995, TRT 15ª Região, Primeira Turma, Relator Juiz Antônio José de Barros Levenhagem, DOESP 0l.12.99)
"EMPREGADO DOMÉSTICO. LABOR DESEMPENHADO EM GRANDE PROPRIEDADE QUE SERVE DE RESIDÊNCIA E LOCAL DE LAZER PARA A FAMÍLIA DO RECLAMADO. RECONHECIMENTO. ART. 1º DA LEI 5.859/72. Nada obstante o tamanho da propriedade em que o reclamante prestava serviços, que servia apenas como residência e área de lazer para a família do recorrido, e uma vez não provado que o reclamado explorava atividade agroeconômica, não sendo, portanto, empregador rural, tal como definido pelo art. 3º da Lei n] 5.889/73, e, por outro lado, constatada a hipótese do art. 1º da Lei nº 5.859/72, o enquadramento do obreiro como empregado doméstico é de rigor"
(ROS 007494/1999, TRT 15ª Região, 2ª Turma, Relator: Juiz Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, DOE 30.05.00)
A definição da figura do empregador rural é de grande importância para o direito do trabalho, porque é a partir daí que se viabiliza o enquadramento do empregado rural e os direitos que se lhe aplicam.
E embora haja vários critérios que podem ser considerados para diferenciar uma empresa rural de urbana, sem dúvida alguma é a atividade desenvolvida no estabelecimento que melhor define a sua natureza e, bem assim, a condição daquele que nele presta serviços: se rural ou se urbano.
Por fim, aproveito a oportunidade para voltar ao tema do artigo anterior que trata de adicional de insalubridade e dos agentes e atividades insalubres. Dois leitores, Marcelo Ribeiro e Joaquim Castro, ambos engenheiros contatarem-me diretamente para alertar que o critério de avaliação da exposição ocupacional ao calor adotado pela NR-15, anexo 3, da Portaria n. 3.214/78, tem por base o Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo-IBUTG, calculado através de várias equações.
Tais equações envolvem medições da temperatura do bulbo úmido natural em ºC, temperatura de globo em ºC , temperatura de bulbo seco (temperatura do ar) em ºC e também são consideradas as taxas metabólicas relativas às diversas atividades físicas exercidas pelo trabalhador, conforme Norma de Higiene Ocupacional-Procedimento Técnico, Avaliação da Exposição Ocupacional do Calor - NHO 06, do Fundacentro. Portanto, quem tiver interesse em se aprofundar sobre o assunto pode consultar referida norma disponibilizada no site do Fundacentro. Quanto ao nível de ruído, segundo Joaquim Castro, a Portaria n. 3.214/78 do MTE nunca adotou o nível de ruído dado como 90 dB (A) em meu texto, mas somente o INSS, até o final de 2003, para aposentadoria especial.
Entretanto, o anexo 1, da NR-15, da Portaria n. 3214/78, traz uma tabela com os limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente para cada nível de ruído medido em dB(A), sendo que em relação ao nível de 90 dB(A) o limite de tolerância é de 4 (quatro) horas, tal qual foi indicado no meu artigo. O nível de ruído de 85 dB(A) citado pelo referido leitor, refere-se à jornada de trabalho de oito horas. Em relação a exposição a poeiras minerais asbestos e sílica livre cristalizada, como bem destacado pelo leitor Marcelo Ribeiro, a "exposição é permitida, desde que dentro dos limites estabelecidos na NR-15. A simples exposição não caracteriza insalubridade".
Registro aqui meus agradecimentos pela contribuição dos dois leitores que me deram subsídios para enriquecer o artigo sobre adicional de insalubridade. FONTE: Última Instância