Quando os alimentos despontaram como fonte de preocupação para a inflação em 2007, o ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) foi o único no governo a afirmar, em entrevista à Folha, que não se tratava de uma alta temporária, mas de um novo patamar de preços.
Quase um ano depois, ele defende que as cotações dos alimentos continuarão subindo nos próximos dez anos, até que se viabilizem novas fronteiras agrícolas. A exceção ficará por conta do trigo e do arroz.
Em nova entrevista à Folha, Stephanes diz que esta é uma crise que não se resolve com aumento de taxa de juros e reconhece que problemas de estradas e portos atrapalham os planos do governo para colocar o Brasil na liderança do fornecimento mundial de alimentos.
"O que ganhamos de eficiência no campo acaba, em parte, sendo engolido pelas ineficiências de logística." Esse é um problema que nem o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) resolverá, já que obras previstas enfrentam obstáculos ambientais. "São coisas de uma irracionalidade extrema." Mas ele diz que essas dificuldades não limitarão o crescimento do Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - O Brasil tem condições de assumir a liderança mundial no abastecimento de alimentos? Representantes do setor de grãos dizem que, se a produção se expandir, esbarrará num apagão logístico. REINHOLD STEPHANES - Isso não chega ao ponto de ser fatal para nossa produção. Somos extremamente eficientes dentro da porteira. Nossos problemas começam fora dela. As estradas nem sempre estão em condições. Os portos ainda suportam a carga, mas, se continuarmos a crescer, e eles não se adequarem, poderemos ter problemas no futuro.
FOLHA - Isso não coloca o Brasil em desvantagem? STEPHANES - Temos uma terceira questão que é o Centro-Oeste com um crescimento extraordinário de grãos, a infra-estrutura mais precária e mais distante dos portos. Embora o PAC preveja obras muito boas, temos dificuldades ambientais para as soluções. Uma licença ambiental leva de dois a cinco anos. É uma limitante. Até para um simples asfaltamento de rodovia que já existe não se consegue licença ambiental. Tem dinheiro, mas a obra não anda. São coisas de uma irracionalidade extrema. Essas dificuldades vão limitar o crescimento do Brasil? Não. Vamos produzir. Vai diminuir é a renda do produtor com custo maior.
FOLHA - Mas qual estímulo terá o produtor sabendo que esbarrará num apagão logístico? STEPHANES - Não vai haver apagão. Vai haver dificuldade, aumento de custo. O navio terá que esperar mais dias no porto. O caminhão levará mais dias para descarregar. Isso nos tira competitividade, mas ainda temos vantagens. O que ganhamos de eficiência no campo acaba, em parte, sendo engolido pelas ineficiências de logística. Mas como os preços internacionais estão bons e a demanda é muito forte, vamos continuar produzindo.
FOLHA - Qual é o limite dessa alta dos preços? STEPHANES - Se o mundo continuar crescendo como está no momento - ressalvados alguns produtos que devem se estabilizar no preço atual ou ligeiramente abaixo, como o trigo e o arroz -, os demais produtos devem crescer.
FOLHA - Trigo e arroz vão cair? STEPHANES - São dois dos três produtos mais produzidos no mundo. Mas os países produzem para si. Os excedentes são poucos. O consumo está aumentando, os estoques caindo, e alguns seguraram as exportações. Isso criou um desequilíbrio. Isso se ajustará logo porque a capacidade de aumento de produção de arroz existe, e os preços vão estimular. O trigo também.
FOLHA - E os demais produtos? STEPHANES - No caso do milho e da soja, se os Estados Unidos mantiverem a idéia de continuar usando milho para fazer álcool -dificilmente eles vão recuar dessa posição nos próximos cinco ou dez anos, até que encontrem alternativas-, deverão aumentar o preço do milho e o da soja. Os dois competem em área de produção e uso para alimentação animal. Com isso, aumenta o preço da carne e do leite. Os produtos cuja demanda está crescendo tendem a assumir um patamar maior de preços nos próximos anos porque não há muita capacidade de expansão.
FOLHA - O céu é o limite para os preços dos alimentos? STEPHANES - O cenário, pelo menos nos próximos dez anos, até que se estabeleçam políticas diferentes de produção para viabilizar novas fronteiras, é de alta. Uma grande fronteira seria a África, que não se estrutura para produção em menos de dez anos. A visão, portanto, é de demanda e, não, de oferta. E pressão de preços.
FOLHA - E como fica o controle da inflação? O senhor tem conversado com o ministro Guido Mantega (Fazenda)? STEPHANES - O ministro Mantega também tem a visão de que os produtos agrícolas durante 30 anos puxaram a inflação para baixo e, agora, estão puxando para cima. É um fenômeno no qual temos pouco a interferir porque não é nosso e pressiona o mundo inteiro. A inflação está aumentando em todos os países. Isso tem que ser visto sob dois aspectos. Um é o aumento da demanda. Outro, a pressão de custos por causa do petróleo, que dobrou o preço no mercado internacional. Em conseqüência, adubos e defensivos também dobraram o preço e tem o transporte.
FOLHA - O que o governo pode fazer para neutralizar esse novo patamar dos preços na inflação? STEPHANES - No Brasil, se, por um lado, vai pressionar a nossa mesa, por outro, eleva a renda de 4.000 dos 5.600 municípios no país. Nesses municípios, hoje corre dinheiro. Eles estão se tornando consumidores, dificilmente encontrarão mão-de-obra ociosa. Isso para o desenvolvimento brasileiro é bom. O interior está crescendo mais do que as grandes cidades.
FOLHA - A ação do governo não tem sido contraditória? Fala-se em estimular o aumento da produção e, ao mesmo tempo, há a ameaça de restringir as exportações. STEPHANES - O Brasil não quer entrar na armadilha de impor restrições nem de taxar.
FOLHA - Por quê? STEPHANES - A Argentina está pagando o preço por isso. Resolvo o problema hoje e crio outro para o futuro. A história nos tem mostrado isso. Como o Brasil é eficiente na produção, devemos manter esse estímulo. E o maior estímulo para aumento produção é mercado e preço. Não é interessante criar restrição. FONTE: Folha de São Paulo - 06/05/2008