Relatório alerta que contaminação de recursos hídricos no Brasil já atinge 5 milhões de pessoas e, indiretamente, até 15 milhões. ONG identifica pelo menos 21 mil áreas seriamente afetadas no país
Leonel Rocha
Da equipe do Correio
A guerra por água limpa no Brasil já não é mais uma triste profecia. Tramitam na Justiça centenas de ações civis impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por promotores estaduais tentando resolver conflitos sobre uso e contaminação de importantes aqüíferos. Água pura passou a ser lema de campanhas religiosas e bandeira de ação política. Ontem, cinco dias antes da comemoração do Dia Mundial da Água, a organização não-governamental (ONG) Defensoria da Água lançou no Rio de Janeiro a última edição do relatório O Estado Real das Águas no Brasil. O documento identifica 21 mil áreas contaminadas no país e faz um alerta: "A contaminação de cursos d?água cresceu 280% entre 2004 e o ano passado, em comparação com os quatro anos anteriores, com cerca de 5 milhões de pessoas afetadas diretamente e outras 15 milhões vítimas de impactos indiretos".
Criada em 2004 com a chancela do Ministério Público Federal (MPF) e sob as bênçãos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para atuar na Campanha da Fraternidade daquele ano, a Defensoria analisou 454 mil notificações registradas pela população junto às empresas de saneamento e organismos de defesa do consumidor. De acordo com o relatório, 38% desse total referem-se a contaminações de responsabilidade das indústrias de transformação e do agronegócio. "A principal fonte (de contaminação) continua sendo o despejo de material tóxico proveniente das atividades agroindustriais e industriais, responsáveis por 90% do consumo das águas, devolvendo-a contaminada à natureza", assinala o documento.
A entidade alerta para o agravante da falta de controle ambiental na geração, tratamento e destino final do material contaminado. O documento da Defensoria da Água também traz a análise de casos antigos e novos, considerados emblemáticos e ainda sem solução (leia arte). As queixas de contaminação possibilitaram a elaboração de um ranking dos maiores poluidores. Entre elas, companhias nacionais como Vale do Rio Doce, Petrobrás, Grupo Votorantin, CSN e Sadia, entre outras. As firmas negam responsabilidade sobre as áreas contaminadas e classificam o relatório de fantasioso (leia na página 10).
Esgoto caseiro
O segundo vilão da contaminação das águas, segundo a ONG, é o esgoto urbano caseiro. Além da falta de tratamento adequado, esse tipo de dejeto também contribui para o assoreamento dos rios, lagos e lagoas, que passam a ser depósitos do material contaminado. Outro importante fator de poluição de mananciais são os lixões a céu aberto. O levantamento da Defesoria da Água detectou lixões em 4,7 mil municípios, a maioria sem qualquer tratamento. "O atual modelo de gestão das águas no Brasil é uma tragédia. Precisamos implantar com urgência os comitês de bacias e criar uma política ambiental permanente", avalia o procurador Alexandre Camanho, especialista do MPF no tema.
Para chegar às conclusões e atualizar o relatório agora, a ONG analisou o resultado de 13 mil questionários. "A aprovação de uma emenda constitucional que considere a água, a biodiversidade e a saúde pública como direitos fundamentais à vida é um caminho para evitar um desastre maior", diz o coordenador do levantamento, Leonardo Morelli. O documento já foi enviado às Nações Unidas, ao Pontifício Conselho para a Justiça e a Paz do Vaticano e ao Conselho Mundial de Igrejas Cristãs, além do governo e do Congresso Nacional. FONTE: Correio Braziliense ? DF