Em entrevista ao JORNAL DA CONTAG, o coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Luiz Machado, faz uma análise sobre a prática do trabalho escravo e a importância do Senado Federal aprovar a PEC.
Quais as situações nas relações de trabalho que podem ser consideradas análogas à de escravo? O conceito brasileiro tem duas espécies de trabalho escravo: trabalho forçado e trabalho degradante. O trabalho forçado, nos textos das Convenções da OIT, apresenta que no Brasil tem casos de cerceamento de liberdade a partir de escravidão por dívida, isolamento geográfico, dentre outros. No caso do trabalho degradante, existe a extrema degradação do meio ambiente do trabalho, no sentido da higiene e saúde do trabalhador. O Código Penal explicita quatro elementos de tipificam o trabalho escravo, tanto no meio rural quanto urbano: trabalho forçado, trabalho degradante, vigilância e jornada exaustiva.
Como a OIT vê o fato de ainda existir trabalho escravo no Brasil? O trabalho escravo está presente no mundo todo. Não é uma surpresa ter no Brasil. Dados da OIT de 2005 apontam que o lucro gerado pelo trabalho escravo forçado incluindo exploração sexual é de R$ 32 bilhões. É uma das atividades mais lucrativas junto com o tráfico de armas e de drogas. A OIT reconhece que o Brasil é um dos países mais avançados na busca por erradicar essa prática a partir da implementação de mecanismos que são até referências no cenário internacional, como a criação dos grupos móveis de fiscalização, da “lista suja” e de algumas condenações, por exemplo. Mas, ainda há muito a ser feito. Por outro lado, tem país que nem assume que possui essa prática.
No ponto de vista da OIT, quantas pessoas no Brasil ainda trabalham em condições análogas à de escravo? Hoje, não há estimativa de número de vítimas no Brasil. Utilizamos os números de resgatados do trabalho escravo. Desde 1995, foram resgatados em torno de 43 mil trabalhadores, sendo 95% homens. Segundo dados desse ano da OIT, a estimativa mais próxima para a América Latina e Caribe é de 1,8 milhões de vítimas. Em todo o mundo, são 20,9 milhões.
Qual a importância do Senado Federal aprovar a PEC do Trabalho Escravo? Os Estados membros da OIT que ratificaram as Convenções 29 e 105 devem buscar a erradicação de qualquer forma de trabalho forçado. A aprovação da PEC do Trabalho Escravo no Senado Federal é mais um passo para cumprir esses tratados, buscar punir quem explora a mão-de-obra e inibir essa prática em todo o país. Os Estados são soberanos para legislar sobre esses temas, mas consideramos as ações brasileiras avançadas em relação às outras nações.
Quais as conseqüências geradas a um país que ainda permanece com essa prática? O país pode ser formalmente denunciado na OIT pela exploração de mão-de-obra. Existem casos, no mundo, mais graves que os identificados no Brasil, como os praticados pelo próprio Estado, como a Coréia do Norte ou Myanmar que já sofreu sanções da ONU. Nesse sentido, o Brasil se destaca no cenário internacional por buscar iniciativas que visam a erradicação do trabalho escravo. Por isso, o risco de sanções diplomáticas é baixo. Mas, essa prática também afeta a sociedade a partir, por exemplo, do dumping econômico, da exploração da vulnerabilidade dessa parcela da sociedade, dentre outros. O desenvolvimento sustentável de um país não pode acontecer às custas da exploração dos trabalhadores.
Qual deveria ser o papel do movimento sindical, em especial da CONTAG, no combate ao trabalho escravo? É extremamente importante o papel do movimento sindical. A CONTAG tem como atingir e levar informações aos trabalhadores, os que estão em situação de maior vulnerabilidade, como os do meio rural. A CONTAG, juntamente com as Federações e os Sindicatos têm mais facilidade para chegar a esses trabalhadores. Além disso, é importante que a Confederação participe de fóruns de discussão em âmbito nacional e internacional e também promova espaços para debater essas questões. Deve estimular ainda a criação desses espaços em todas as regiões do país, pois há registro de resgates em todos os estados brasileiros. Os Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais também deve continuar a fazer denúncias dos casos de trabalho análogo ao escravo. FONTE: Imprensa CONTAG