O agronegócio brasileiro pouco terá a ganhar com a conclusão da Rodada Doha de negociações comerciais, afirmou o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, em entrevista publicada segunda-feira no Estado. Foi uma declaração surpreendente. Para o governo brasileiro, a reforma do comércio agrícola é a meta principal da rodada. Essa tem sido a posição oficial desde o lançamento das conversações, em 2001. Essa mesma bandeira inspirou a formação do Grupo dos 20. Se a diplomacia nacional insiste em evitar o colapso final da rodada, é porque não desistiu, pelo menos explicitamente, de alcançar pelo menos em parte aquele objetivo.
O acordo possível neste momento, como já se admite abertamente, ficará abaixo do ambicionado na fase inicial das negociações, mas ainda poderá valer a pena, segundo avaliam os diplomatas. Mas não haverá pelo menos um grão de bom senso nos comentários do ministro da Agricultura?
Ele manifestou ceticismo em relação a dois pontos. Em primeiro lugar, na sua opinião é altamente improvável a conclusão da rodada. Em segundo lugar, as concessões oferecidas pelo mundo rico, se houver algum acerto final, não produzirão efeito concreto. A primeira dúvida é pertinente neste momento. Quanto mais se alonga a discussão, piores se tornam as condições políticas para um acordo final. Nos Estados Unidos, será uma enorme surpresa se algum candidato à presidência defender maiores concessões comerciais. Do lado europeu, não haverá novas ofertas se os americanos não se mexerem. O governo brasileiro não cederá mais um palmo, se as economias mais avançadas não emitirem sinais encorajadores.
Já a segunda tese é bastante discutível. O Itamaraty saberá discernir se uma oferta - por exemplo, de redução de subsídio - será efetiva ou se, ao contrário, não será mais que um conto-do-vigário. "Concessões" desse tipo serão recusadas e não haverá acordo. A questão relevante é outra: se houver concessões de fato, valerá a pena obtê-las em troca dos benefícios pedidos pelos negociadores do mundo rico? Ou, ainda: será equilibrada a distribuição de encargos entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento?
Mas o ministro da Agricultura parece ter razão pelo menos quanto a um ponto: as condições do mercado internacional serão determinadas nos próximos anos, em grande parte, pela evolução da demanda, agora influenciada pelo rápido crescimento econômico da China, da Índia e de outros países dependentes da importação de alimentos e matérias-primas. Esses países recorrerão aos produtores eficientes, para evitar inflação, e o Brasil será um dos mais qualificados para atender à procura crescente.
Em vez de dar tanta ênfase à Rodada Doha, acrescentou o ministro, o Brasil deveria ter procurado acordos específicos com diferentes mercados - sem se dar conta de que estava fazendo uma crítica ao presidente da República, que ainda ontem insistia na importância de Doha. Mas teria sentido buscar acordos apenas para o comércio agrícola? Certamente não, no caso dos mercados mais desenvolvidos. Com Washington e Bruxelas teria sido necessário negociar acordos mais amplos de comércio.
Mas o governo brasileiro decidiu em 2003 torpedear a Alca. Os americanos podem ter contribuído para o fracasso da iniciativa, mas o principal esforço para impedir o acordo partiu de brasileiros e argentinos. Além disso, Brasília jamais conseguiu combinar com os sócios do Mercosul uma estratégia eficiente de negociação com os europeus.
O ministro da Agricultura parece haver esquecido esses pontos. Depois, americanos e europeus sempre hesitaram em discutir isoladamente concessões no comércio agrícola com os sul-americanos. Nos dois casos, no entanto, teria provavelmente valido a pena levar adiante as conversações com uma pauta mais ampla de interesses. Parte da indústria teria sem dúvida apoiado iniciativas desse tipo. Teria sido preciso convencer e mobilizar a outra parte. Outros países em desenvolvimento ganharam com acordos desse tipo, menos tímidos e mais amplos quanto aos objetivos, e o Brasil com certeza poderia ganhar. FONTE: Estado de São Paulo ? SP