23/10/2007
Resíduo não é passivo ambiental. É ativo no lugar errado. Com essa premissa começam a se multiplicar no Brasil iniciativas empresariais que fazem do lixo a matéria-prima para novos negócios, constatou-se na 7ª edição da Ecolatina - Conferência Latino Americana sobre Meio Ambiente e Responsabilidade Social, promovida em Belo Horizonte (MG), em meados de outubro.
Caso emblemático é o da Embafort, fabricante de embalagens industriais fundada no Paraná, em 1988, pelo engenheiro florestal Humberto Cabral. "Voltei de uma temporada na Amazônia, chocado com o ritmo do desmatamento. Tinha um capital de apenas cem reais, mas quis criar um negócio que evitasse a derrubada de árvores nativas. Hoje, temos um portfólio de 2,5 mil itens e clientes em 112 países", conta.
Uma árvore de reflorestamento leva 20 anos para fornecer madeira. Por que usá-la uma única vez numa embalagem? pergunta o empresário, ao lembrar o lançamento do processo de reciclagem das embalagens industriais de madeira, dez anos mais tarde. A Embrafort, diz, apostou na logística reversa, que prevê a captação de embalagens usadas, remontagem e devolução ao mesmo cliente para o reuso, num ciclo que se repete 50 a 60 vezes.
Em 2004, um novo avanço na cadeia da reciclagem. "Passamos destinar os resíduos das embalagens para a produção de brinquedos pedagógicos. E o resíduo do resíduo, encaminhamos para queima, como biomassa", resume Cabral. Com o projeto Andorinhas, criado naquele ano, a Embafort passou a doar restos de madeira a cem artesãos, além de oferecer-lhes equipamentos, treinamento gratuito e garantia da compra de 40% das peças.
Já os resíduos do resíduo - materiais como pó de serragem e pequenos tocos - são vendidos como lenha a olarias e fornos. Também são comercializados os materiais coletados por meio da coleta seletiva. Todo dinheiro arrecadado é repassado para a Associação Adolfo Cabral Junior, que atende o público interno. "Cerca de 95% de nossos funcionários têm segundo grau completo", diz Cabral. O próximo passo no ecobusiness, conta, é a construção de casas populares inteiramente em materiais reciclados, para venda na forma de kit.
Primeira empresa a operar um aterro sanitário privado no Espírito Santo, a Marca Ambiental - que recebe uma média de mil toneladas/dia de resíduos sólidos de nove municípios da região de Vitória (ES) - apresentou na Ecolatina sua linha de apoio a econegócios que usam resíduos como matéria-prima.
A estréia foi em 2003: uma fábrica de vassouras com cerdas feitas a partir de garrafas PET e cabos com madeira dos paletes. Instalada na área do aterro, produz mensalmente 650 unidades. O empreendimento gerou três empregos e outros três postos de trabalho foram criados com a instalação de uma indústria de papel reciclado. Com aparas de papel fornecidas por gráficas e organizações de catadores apoiadas pela Marca, cerca de 3,6 mil folhas produzidas por mês são a base para objetos artesanais, como agendas e cadernos.
Em 2006, o Instituto Marca de Desenvolvimento Sócio-Ambiental, fundado para gerenciar as ações socioambientais da empresa, inaugurou a Incubalix, incubadora de empresas desenvolvida em parceria com o Sebrae/ES para estimular a criação novas ecoindústrias focadas no reuso de resíduos. Cerca de R$ 300 mil foram investidos no projeto.
Entre os empreendimentos instalados até agora, há a fábrica que produz até 410 sacolas/dia em plástico reciclável fornecido pelas organizações de catadores; a indústria de tijolos feitos em argila, aglomerado e cimento retirados do próprio aterro, e uma indústria de mantas vegetais feitas com fibra do coco.
Dos negócios em fase de implantação destacam-se uma pequena indústria de telhas onduladas em papelão e betume; uma de tintas que reaproveitará lama de granito, resina, corante, bactericida, alvejante e água; e uma de biodiesel a partir do óleo usado de cozinha. Também há projetos, como o de uma termelétrica movida a biogás ou óleo. Quando instalados, a soma dos negócios gerará cerca de 50 empregos. "Todo o material que sai do aterro para ser reutilizado deixa de ser aterrado, o que implica numa vida maior para o nosso aterro", raciocina Antonio Reis, gerente executivo do Instituto e coordenador do Incubalix.
Segundo ele, a incubação é de até dois anos, período em que o empreendedor tem direito a um box, apoio logístico, consultoria técnica. Caso a nova empresa prospere, o Instituto Marca receberá 20% do resultado operacional. "Temos de ser auto-sustentáveis, para estimularmos mais ecoindústrias", diz Reis.
Rota inversa fez a artista plástica Thais Valadares. Formada em comunicação social, entusiasmou-se com o artesanato em PET em 2000, quando voltou para Belo Horizonte, depois de sete anos na Alemanha. "Montei as primeiras flores quase como terapia, pela perda de minha mãe. Me entusiasmei." Depois de desenvolver e patentear um equipamento para a moldagem e corte das pétalas, ela deu asas à imaginação. Criou bijuterias pontuadas com suas pequenas flores em PET tingido que atraíram compradores na Inglaterra e Alemanha.
O sucesso levou-a a abrir a microempresa Thais Valadares Reciclagem Artística, e treinar donas de casa, que passaram a contar com a moldagem das flores, como fonte de renda. "Enfrentei uma barreira mercadológica no Brasil. Tem gente que não se convence que posso cobrar por um produto cuja matéria-prima é PET, proveniente da coleta seletiva", avalia Thais, que manteve a empresa por quatro anos e, em 2007, foi finalmente vencida pelo que define como "dificuldades burocráticas". FONTE: Valor Econômico ? SP