Cooperação e conflito estão presentes nos sistemas agroindustriais. Dentro do setor, se desenvolvem mecanismos para incentivar a cooperação via estratégias compartilhadas, caso contrário os conflitos se potencializam desperdiçando valor. Os conflitos internos mais comuns são disputas por margens.
Exemplo observado na agroindústria citrícola é o da pressão dos produtores pela revisão dos preços contratados. A entidade de representação da indústria agiu cartesianamente informando que fará cumprir estritamente os contratos estabelecidos, fechando portas para negociação. Tal postura ignora que, se por um lado os contratos existem para serem obedecidos, por outro lado estabelecem uma relação de negociação continuada. Se a justiça for chamada a resolver o conflito, nem sempre sua decisão agradará às partes litigantes.
Na citricultura existem outros pontos críticos como a contribuição do fundo de citricultura e a remuneração do citricultor, que recebe por caixa quando na verdade vende sólidos solúveis para a indústria. O seja, mais problemas estão por vir.
Na carne bovina, que tem o desafio do acirramento protecionista europeu, as lideranças setoriais não criaram mecanismos de incentivo aos produtores para investimentos de longo prazo. Pelo contrário, os pecuaristas vêm reclamando das práticas consideradas não competitivas por parte de alguns frigoríficos e as entidades setoriais culpam o governo pelo insucesso com a União Européia.
O Sisbov introduz exigências que exigem cooperação entre os agentes do sistema produtivo. As lideranças dos frigoríficos foram reativas e reclamam das exigências européias e do governo brasileiro. Chegam a afirmar que o mercado europeu não é tão importante e, se necessário, o mercado interno absorverá o produto. Ledo engano.
A minimização do problema esconde os sérios obstáculos no setor, como: informalidade, gestão da qualidade e da sanidade do rebanho, além dos conflitos por margens. Não deveríamos ter no Brasil duas pecuárias, a de exportação com exigências sanitárias firmes e outra para o mercado interno, sem tais preocupações. Ou seja, os europeus têm suas razões.
No setor da avicultura industrial, crescem pressões para a revisão das relações contratuais entre os produtores e as indústrias processadoras. A interpretação dos contratos de suprimento como relações de trabalho, pode recrudescer no futuro colocando em risco a eficiência alcançada. Os exemplos citados sugerem a pergunta crítica: como aperfeiçoar os mecanismos de coordenação entre setores agrícola e industrial?
Exigências feitas por indústrias e supermercados nem sempre vêm acompanhadas por preços compatíveis com a elevação dos custos de produção
Mercados e contratos são mecanismos alternativos de coordenação das transações. O mercado spot é importante em alguns casos, mas é de longe superado pelos contratos, que geram benefícios quando as transações são mais complexas e envolvem investimentos de longo prazo. Contratos alocam riscos, estabelecem regras para contingências, incentivando investimentos de longo prazo, mas não eliminam contingências não antecipadas. Daí a negociação fazer parte do conceito econômico do contrato, cujo papel é de estabelecer as regras iniciais, que colocam a transação em movimento.
A gestão dos contratos, como elemento estratégico, não é da alçada exclusiva dos praticantes do direito, que no Brasil, não são formados no sentido da prevenção do litígio. O contrato sinaliza a intenção de cooperação para produzir. As entidades de representação deveriam preparar-se para cumprir o papel mais estratégico e menos beligerante.
A mudança de paradigma na agroindústria de alimentos aumentou a complexidade das transações. O aperfeiçoamento das relações de trabalho e o banimento de práticas ambientalmente incompatíveis são necessários, mas são também fontes de custos para a agricultura. As exigências feitas pelas indústrias e supermercados, nem sempre vêm acompanhadas por preços compatíveis com a elevação dos custos de produção.
A resposta à pergunta sobre o aperfeiçoamento dos mecanismos de coordenação passa pela modernização das organizações de representação setorial e pelo aperfeiçoamento de mecanismos contratuais. As organizações privadas de representação setorial foram criadas para interagir com o Estado regulador, que no Brasil dos anos 70 se resumia a controlar preços. Mais recentemente, as entidades tiveram que desenvolver habilidades para lidar com o nó górdio fiscal e com mecanismos de negociação de registro de produtos, licenças ambientais, e oferta de títulos de propriedade.
As entidades, organizadas para defender os interesses agroindustriais focalizaram uma agenda medíocre, indicativa do alto custo de fazer negócios no Brasil. Temas como, negociações internacionais, abertura de mercados, gestão da imagem do produto brasileiro, gestão sócio-ambiental, só muito recentemente chegaram a alguns dirigentes setoriais, na maior parte das vezes, premidos por pressões externas e não por iniciativa própria. O perfil dos dirigentes das entidades de representação, e a sua agenda estratégica, merecem revisão, caso contrário deixarão de cumprir o papel que lhes é próprio.
A segunda dimensão é o aperfeiçoamento dos mecanismos contratuais. Os contratos devem ter foco estratégico e não jurídico exclusivamente. Os contratos balizam intenções e seus partícipes devem arquitetá-los buscando acomodar as inevitáveis tensões pós-contratuais.
Os contratos nos agronegócios são relevantes para a agricultura familiar e não apenas as corporações como querem alguns. Contratos para a produção de biodiesel e de fomento florestal vem sendo adotados. Os exemplos se ampliam para contratos na produção de cafés especiais, suprimento de cana, entre outros. Alguns países decidiram pela criação de legislação específica para amparar as relações contratuais agroindustriais. Cabe discutirmos o tema.
O paradigma surgido nos agronegócios a partir do início do século é marcado por crises de segurança do alimento e expansão da demanda por proteína. Gerou a necessidade de organizações com mecanismos aperfeiçoados para lidar com a coordenação dos sistemas agroindustriais. Não existe geração espontânea destas organizações, que resultam do esforço das lideranças, do aparelhamento do Estado e do desenho de instituições balizadoras. Talvez uma boa agenda para 2008.
Decio Zylbersztajn é professor titular da Universidade de São Paulo, do Centro de Conhecimento dos Agronegócios - Pensa e do Centro de Estudos de Direito-Economia e Organizações - Cedeo. FONTE: Valor Econômico ? SP