Na beira do caminho que leva à comunidade rural de Laranjal, no município de Mortugaba, na Bahia, fica uma escola bem pequena - sala de aula, cozinha e banheiro. Em frente ao quadro-negro, está Aline Amaral de Oliveira. Ela dá aula para 19 alunos, entre 4 e 13 anos, ao mesmo tempo. As carteiras formam um semicírculo em volta da professora. À esquerda, estão os alunos da educação infantil. No meio, a primeira série. À direita, a segunda e terceira séries. Recém-formada, Aline se desdobra para atender a todos, às vezes, um por um. "É difícil, mas gratificante", diz com um sorriso. A reportagem do Valor pergunta à aluna Karine da Silva, 6 anos, filha de agricultores, se ela sabe ler e escrever. "Claro!", responde a menina prontamente e com uma ponta de indignação.
Aline é um dos 170 professores de Mortugaba, cidadezinha de 13 mil habitantes do semi-árido baiano, no Sudoeste do Estado. Localizada a 250 quilômetros de Vitória da Conquista - os últimos 54 são uma estrada de terra esburacada - e a 9 quilômetros do Norte de Minas Gerais, Mortugaba é um lugar pobre e isolado. O PIB per capita do município é de R$ 2,4 mil, 80% abaixo dos R$ 13,5 mil do país. Cerca de 30% da população é analfabeta. Não existe acesso por asfalto e os celulares não funcionam.
Mas é nesse fim de mundo que os professores conseguiram quase um milagre hoje no Brasil: oferecer ensino público de qualidade para os 2,5 mil alunos, divididos em 42 escolas, 7 urbanas e 35 rurais. O desempenho dos alunos de 1ª a 4ª série de Mortugaba supera em 10% a média nacional e em 60% a média de zonas rurais, conforme o Índice do Desenvolvimento de Educação Básica, que combina aprovação escolar com as notas obtidas nas provas de avaliação do governo federal.
Em Mortugaba não existem indústrias, o comércio é restrito e a agricultura é de subsistência. A pecuária é quase a única atividade econômica que gera renda. Os habitantes sobrevivem de aposentadorias, programas sociais, algum comércio ou são servidores públicos. Cerca de 30% das famílias recebem ajuda do Bolsa-Família. Mais de 80% do orçamento, que foi de R$ 8 milhões em 2007, é repassado pelo governo federal através do Fundo de Participação dos Municípios.
Mesmo sem recursos, a cidade está melhorando a qualidade da educação. Qual é a mágica? "Não tem bicho de sete cabeças. É só seriedade na administração", diz a prefeita Rita de Cássia (PSDB). "Em tudo que vamos fazer colocamos muita dedicação", completa Elite Cerqueira, secretária municipal de Educação. Cássia e Elite são professoras e não tinham nenhuma experiência em administração pública. Depois de derrotar o candidato do coronel local na última eleição, Cássia desistiu de obras para as quais não tinha dinheiro e apostou tudo em educação.
A receita de motivação dos professores é simples: salários em dia, pagamento de 13º e um terço de férias. Ou seja, direitos do trabalhador, que segundo depoimentos de professores da cidade, não costumavam ser respeitados. Além disso, a prefeitura promove um "rateio" dos recursos com os professores no fim do ano. Em 2007, significou mais um salário e meio. Em Mortugaba, um professor recebe R$ 430 por mês, pouco mais de um salário mínimo. Para melhorar a auto-estima, a cidade promove o prêmio do professor Nota 10, que dá um certificado aos profissionais mais assíduos, criativos e que compartilham suas idéias.
Os professores recebem também hora-extra para planejar as aulas. É graças a esse estímulo que o município consegue promover uma reunião semanal às sexta-feiras. "Temos professores com 18 anos de experiência que ajudam aos recém-formados", relata Rosimeire Guimarães Souza, diretora de uma escola. Com o planejamento, a cidade tenta garantir que, respeitando as características de cada escola, os alunos de Aline, no campo, e Rosimeire, na cidade, recebam ensino de qualidade similar.
Seis de cada dez alunos de Mortugaba estão na zona rural, onde se concentram desafios e deficiências, como infra-estrutura e transporte ruins. Além disso, é mais difícil envolver a família no aprendizado das crianças, por conta da alta taxa de analfabetismo no campo. A prefeitura nomeou duas coordenadoras para visitar essas comunidades e estimulou programas pedagógicos específicos. As professoras trabalham com os "cantinhos" de leitura e de ciência, que mantêm uma série em uma atividade, enquanto sua atenção está voltada para os outros. O município instalou banheiros nas escolas onde eles não existiam tenta fazer pequenas bibliotecas. FONTE: Valor Econômico ? SP