No final do ano passado, o governo paraense concluiu uma série de entrevistas em todo o Estado em que identificou 99 pessoas ameaçadas de morte, entre religiosos, sindicalistas e integrantes de movimentos sociais. Dessas 99, apenas 9 estão hoje com proteção policial.
Entre 1971 e 2007, segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), 819 pessoas foram mortas no Estado em conflitos fundiários, entre as quais a freira norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, cujo suposto mandante do crime foi absolvido na última terça.
A identificação dessas 99 pessoas, todas de alguma forma consideradas "defensoras dos direitos humanos", ocorreu a partir de listas apresentadas ao governo pela CPT e pela Fetagri, braço paraense da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Entre os nove protegidos hoje, com escolta policial 24 horas por dia, está dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu e presidente nacional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Dos 99 que receberam ameaça direta de morte, 57 solicitaram proteção imediata ao Estado. Além disso, 19 deles foram considerados de proteção prioritária pela coordenação do programa de proteção, formado, entre outros, por movimentos sociais, polícias Civil, Militar e Federal, OAB, Tribunal de Justiça e Pastoral da Terra.
Cartilha
"Todos os ameaçados, principalmente os que não têm a proteção direta, precisam seguir uma cartilha para não se expor. Por exemplo: há todo um procedimento para abrir a porta de casa, não caminhar sozinho na rua, não beber, não sair à noite", diz o defensor público Antonio Cardoso, coordenador-executivo do programa paraense de proteção a defensores dos direitos humanos ameaçados de morte, criado em 2005 pela Defensoria Pública estadual.
Segundo Cardoso, a falta de recursos e de policiais disponíveis impede que todos os ameaçados estejam sob proteção direta. O programa paraense conta hoje com auxílio do governo federal, como no repasse de verbas para a compra de equipamentos à Polícia Militar.
A "proteção dura", como é chamada, envolve a presença de dois policiais durante todo o dia ao lado do ameaçado --em casa, na rua, em reuniões e em todos os deslocamentos.
"A crítica não está na falta de proteção, e sim na falta de investigação sobre as ameaças. É preciso investigar e desarticular as quadrilhas do crime organizado do campo", diz José Batista, da coordenação nacional da CPT e advogado da entidade em Marabá (sudeste do Pará).
O país ainda engatinha nesse tema. Hoje, além do Pará, a União possui convênios com programas semelhantes de proteção a defensores em Pernambuco e no Espírito Santo.
Neste mês, o Planalto deve enviar ao Congresso um projeto de lei que prevê a criação do programa nacional de proteção a defensores de direitos humanos ameaçados de morte. "Com a criação do programa, haverá uma relação direta entre União e Estados, como já existe no Provita [Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas]", diz Fernando Matos, coordenador-geral do programa nacional de proteção de defensores de direitos humanos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
"Hoje, mesmo sem a proteção, o fato de Ministério Público, entidades e governos terem o registro das ameaças e dos suspeitos já diminui o índice de vulnerabilidade", afirma. FONTE: Folha OnLine 11/05/2008 - 10h42