Trabalhei até o dia 30 de dezembro e depois fui me isolar para a virada do ano (fiquei três dias sem internet, o que para mim é um recorde digno de comemoração). Pensei que as coisas estariam tranqüilas e que 2007 tinha dado o que tinha que dar, que tudo de ruim já havia acontecido e não cabia mais nada naquele ano. É, a gente se engana...
O governo federal editou um medida provisória, publicada no Diário Oficial no sábado (29), acabando com a exigência do registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social de trabalhadores rurais em contratações para serviços de até dois meses. Com isso, torna-se facultativo registrar o sujeito, contanto que se faça um contrato de gaveta com ele.
A proposta resultou de uma negociação que contou com representantes do Ministério da Previdência Social (de Luiz Marinho) e do Ministério do Trabalho e Emprego (de Carlos Lupi). A reivindicação partiu da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Diminuindo as exigências "burocráticas", o objetivo da mudança é ajudar os trabalhadores rurais a alcançarem direitos que hoje não são pagos. Mais uma ação com boa intenção, mas cuja prática será desastrosa.
De acordo com Jonas Ratier Moreno, da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT), a mudança estimulará ainda mais a precarização e sonegação de direitos, pois o empregador pode alegar junto à fiscalização que o serviço é mais recente do que realmente é, tendo em mãos um contrato escrito por ele próprio. Para Jonas, isso pode, portanto, prejudicar o esforço de regularização das relações trabalhistas, afetando diretamente o combate ao trabalho escravo.
(Dados do Ministério do Trabalho e Emprego e da ONG Repórter Brasil apontam que a média de tempo em que trabalhadores permanecem como escravos é de pouco mais de três meses. Ou seja, a MP pega em cheio esse pessoal, dificultando ainda mais a difícil vida dos que já não têm direito a nada.)
Em nota pública divulgada no dia 28, antes da publicação da MP, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) afirmou que "a dispensa de anotação dos contratos de trabalho rural estimulará ainda mais a informalidade (leia-se ilegalidade) no meio rural, dificultando - se não impossibilitando - a atuação da fiscalização trabalhista".
Outro ponto criticado pela entidade é a norma que determina o cálculo dia-a-dia e o pagamento imediato ao trabalhador de direitos trabalhistas. Na prática, o patrão vai diluir esses direitos dentro do salário e dizer que eles já estão pagos. Por exemplo, um cara ganharia R$ 600,00 de salário e mais férias, 13º salário. Com esse novo método de contratação, o empregador pode alegar que paga R$ 600,00 para o empregado e que, nesse valor, já estão incluídos todos esses direitos. Sim, é ilegal, mas e daí?
O aumento da produção brasileira de etanol é proporcional ao crescimento da utilização de mão-de-obra de safristas para o corte da cana-de-açúcar, mesmo com todo o processo de mecanização da lavoura. Agora, com a nova MP, instituições como a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE (contrária à MP), o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal - sem contar a sociedade civil envolvida na defesa dos direitos dos trabalhadores - vão ter que se desdobrar e desenvolver mais mecanismos para descobrir contratos fraudulentos e punir quem explora ilegalmente o suor alheio. A MP não é o fim dos tempos - os poderes da fiscalização ficam mantidos - mas será um prato cheio para os picaretas de plantão no campo.
Já há projetos tramitando no Congresso Nacional tratando do mesmo assunto. Por que, então, o Poder Executivo se adiantou a eles e aprovou uma MP na bacia das almas de 2007? Uma boa pergunta para este início do ano.
A chance dessa MP ser derrubada é zero. Acho difícil a base do governo mexer no texto. Além do mais, ele contará com o apoio dos ruralistas - tanto da situação quanto da oposição. Aliás, não duvidaria se alguém me contasse que, ao estalar dos fogos de artifício na virada do ano, um brinde especial foi levantado ao Palácio do Planalto, aos ministérios e a alguns sindicalistas pela graça alcançada. FONTE: Blog do Sakamoto