Inspirado por grandes produtores e apresentado por entidade de trabalhadores, texto dispensa empregador rural pessoa física de registrar a mão-de-obra e pode facilitar trabalho escravo
Fernanda Odilla
Da equipe do Correio
``O desconhecimento do direito trabalhista deve ser combatido pelo poder público, em vez de legitimado``
Deputado federal Paulinho da Força (PDT-SP)
Ainda neste mês, os deputados federais irão apreciar uma medida provisória assinada, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelos ministros da Previdência, Luiz Marinho, e do Trabalho, Carlos Lupi. Feita sob encomenda, paradoxalmente a pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na AGRICULTURA (Contag), a MP 410/2007 amplia a informalidade dos contratos rurais de curta duração. Na avaliação dos próprios técnicos do Ministério do Trabalho, que assinaram dois pareceres contrários à MP, a proposta traz um conjunto de medidas "radicais e devastadoras" capazes de incentivar até mesmo o trabalho escravo no campo.
Por pressão do lobby ruralista no Congresso, as duas notas técnicas do Ministério do Trabalho alertando para as graves conseqüências da MP, assinadas por servidores da Secretaria de Inspeção do Trabalho em novembro e dezembro do ano passado, foram ignoradas por Lupi e Marinho. Ao editar a MP, eles dispensaram os produtores rurais (pessoas físicas) de assinar a carteira de trabalho e de anotar no livro e na ficha de registro de empregados os contratos de menos de dois meses. "Teremos como resultado a legalização da informalidade nas relações de trabalho no meio rural. Tudo o que hoje se combate como fruto da informalidade (trabalho escravo, degradante e negação do conjunto de direitos trabalhistas) estará sacramentado", alarma a nota número 317, encaminhada dois dias antes de a MP ser editada, em 28 de dezembro do ano passado.
O auditor-fiscal do trabalho Marcelo Campos e o secretário de Inspeção substituto, Leonardo Oliveira, responsáveis por um dos alertas contra a MP, lembram que a contratação por curto período no campo já está prevista na legislação, com os chamados contratos de SAFRA. Ponderam ainda que existe um grupo de trabalho, criado em 2007 a pedido do movimento Grito da Terra, para discutir novas formas de se firmarem contratos para o trabalho rural.
Prejuízos
As advertências fizeram questão de apontar todos os potenciais prejudicados com a MP. "O envio ao Congresso Nacional de Medida Provisória com o conteúdo sugerido trará graves prejuízos aos trabalhadores, à inspeção do trabalho e, finalmente, provocará um desgaste na imagem deste ministério, não somente pelo simbolismo representado pela CTPs (carteira de trabalho e previdência social) bem como pelo método de encaminhamento da proposta", avisam os autores do segundo parecer.
O secretário de Relações do Trabalho do MTE, Luiz Antonio Medeiros, afirma que a proposta conta com o apoio dos representantes dos trabalhadores rurais. "Até agora não recebi nenhuma reclamação", diz, justificando por que não levou em conta as duas notas técnicas do próprio ministério. Fundador da Força Sindical, Medeiros argumenta que ele, como trabalhador, não gostaria de ter a carteira assinada por uma semana apenas e, depois, por um mês. "Estamos desburocratizando um processo", avalia.
Em outras ocasiões críticas do excesso de medidas provisórias, a bancada ruralista vibrou com a MP. "Essa proposta vem para resolver um problema. Em plantações de cebola, erva-mate e alho, cuja colheita não dura mais que uma semana, nem os trabalhadores querem assinar a carteira. Já tínhamos pedido providências para o problema ao ministro Lupi", observa o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), presidente da bancada ruralista no Congresso.
Contudo, até mesmo um dos principais sindicalistas do partido de Lupi, Paulinho da Força (PDT-SP), colocou-se contra um dos artigos da MP. Ele foi o primeiro a apresentar emenda suprimindo a parte do texto que desobriga a assinatura da carteira de trabalho. "O desconhecimento generalizado da mais elementar regra do direito trabalhista, a que determina o preenchimento da Carteira de Trabalho e Previdência Social, promovido por quase todos os empregadores da área, deve ser combatido pelo poder público, em vez de legitimado", justificou. Ele pondera que os chamados "bóias-frias", com as mudanças propostas pela MP, não poderão sequer "sonhar em alcançar o mesmo tratamento que é assegurado a outros trabalhadores".
Mudanças no texto
O presidente da Contag, Manoel dos Santos, diz que o texto da MP será modificado pelo relator Assis do Couto (PT-PR). Uma das mudanças vai exigir a assinatura da carteira, exceto quando o contrato for firmado por convenção coletiva, por meio dos sindicatos, centrais ou cooperativas. "Reconheço que as críticas à MP ajudaram na redação final. Hoje os sindicatos ainda não estão preparados para a tarefa. Mas se não houver a lei, eles nunca vão conseguir assumir a missão", afirma Santos.
As mudanças no mais polêmico artigo - que desobriga a assinatura da carteira para contratos menores que dois meses - fazem sentido, se levado em conta o passado do relator da MP. Em fevereiro deste ano, durante discurso no plenário da Câmara, Assis do Couto explicou a própria origem. "Sou um pequeno agricultor lá do interior do Paraná, que chegou a este parlamento depois de caminhadas no movimento sindical", disse da tribuna. FONTE: Correio Braziliense ? DF