Parece que aquele belo dia chegou. Os princípios de responsabilidade social e sustentabilidade já modificam hábitos de gestão e impulsionam novos processos nas empresas. "A consciência do aquecimento global e a percepção crescente de que é necessário criar um novo modelo de gestão e de desenvolvimento que reduza o impacto da atividade econômica sobre as mudanças climáticas, com inclusão social, põe na mesa das empresas o desafio da inovação. É preciso inventar, reinventar e criar de novo, se preciso for, processos, produtos e serviços de consumo perene", afirma Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos.
Essa agenda reformulada do mundo corporativo será debatida hoje no seminário "Inovação e Empresa - Responsabilidade Social Corporativa", promovido pela Câmara Oficial Española de Comércio en Brasil, com apoio do Valor, no Hotel Grand Hyatt, em São Paulo. A mudança de perspectivas, segundo Young, coloca mais ênfase no processo criativo e traz novos desafios às lideranças. "É preciso inovar desde a concepção do produto, passando pela certificação de origem, fabricação, deposição dos resíduos, logística e pós-consumo. E mais: inovar com produtos que promovam a inclusão social sem impactos ambientais negativos. Isso exigirá criatividade também na maneira de gerir e auditar cadeias produtivas inteiras."
A preocupação também se deve à pressão do mercado. Segundo dados do Instituto Akatu, ONG que promove o consumo consciente, 78% dos consumidores baseiam-se em práticas de responsabilidade social para avaliar os serviços de uma empresa e cerca de 40% dos compradores estão dispostos a pagar mais por produtos que não agridam o meio ambiente.
"O meio ambiente já é protegido de certa forma por lei, mas a preocupação social é espontânea e entrou no planejamento das organizações", avalia Fernando Rosseti, secretário-geral do Gife, associação que reúne 106 empresas, institutos e fundações de origem privada que praticam investimentos sociais de quase R$ 1 bilhão por ano em áreas como educação, cultura e desenvolvimento humano. Para ele, a década de 90 foi a época da mobilização das empresas em torno da responsabilidade social corporativa, enquanto hoje impera a qualificação de idéias e projetos no setor. "Já passamos dos modelos de dar o peixe ou de ensinar a pescar. Agora, precisamos pensar como o comércio desse peixe pode ser mais sustentável."
Segundo o professor Mário Aquino Alves, da Fundação Getúlio Vargas, especialista em responsabilidade corporativa, a organização sustentável gera benefícios econômicos, sociais e ambientais - conhecidos como os três pilares da sustentabilidade. "Está crescendo o número de empresas que mudam suas práticas de gestão para formas de trabalho mais responsáveis", garante.
Mais do que um mero modismo, a adoção dessa postura, segundo os especialistas, combina três movimentos: a conscientização dos líderes empresariais sobre a emergência de uma nova gestão de negócios, posicionamentos de marca ou de produto que impulsionam a adesão de práticas reconhecidas pelos consumidores; e a pressão institucional de governos e entidades para que as empresas atuem de forma mais ética e socialmente correta.
O resultado dessas ações aparece no dia-a-dia com a criação de novos modelos de governança corporativa para atender os interesses de governos, acionistas e investidores, além do desenvolvimento de produtos e serviços voltados para o segmento ecológico. "Sem falar do aumento do investimento social privado, que apóia iniciativas de benefício público, não relacionadas diretamente às práticas de negócio das empresas", diz Alves.
No Wal-Mart, por exemplo, os hinos à responsabilidade social e à sustentabilidade se intensificaram nos últimos três anos e ganharam força com a criação do Instituto Wal-Mart, em 2005. No mesmo ano, a empresa definiu que iria incluir a sustentabilidade em sua cartilha de negócios. Até 2010, deve investir, globalmente, US$ 500 milhões em infra-estrutura e gestão para consolidar o modelo sustentável de gestão. "A decisão foi tomada quando um estudo mostrou que, embora o varejo não seja uma atividade de alto impacto no meio ambiente, é um setor de grande influência na cadeia produtiva e pode ajudar a promover mudanças positivas", explica Vicente Trius, presidente do Wal-Mart Brasil. Segundo ele, 92% do impacto causado pelo varejo na natureza acontece de forma indireta. "Devemos persuadir fornecedores e clientes a criarem suas próprias políticas de sustentabilidade."
Na prática, a estratégia adotada pelo Wal-Mart no Brasil é direcionada a objetivos de longo prazo e lista dez plataformas de atuação - que vão da adoção de práticas de construção sustentável até a utilização de energia renovável para manter as unidades funcionando. Um dos planos é ter pontos-de-venda 25% mais eficientes, em sete anos. Para isso, as lojas da rede são construídas com o pé direito 20% mais baixo - o que gera economia de matéria-prima, como aço e ferro, e um corte de cerca de 10% no consumo de ar-condicionado.
Para economizar energia, as unidades operam com lâmpadas T5, que consomem até 30% menos do que os modelos tradicionais incandescentes. Três lojas na região Nordeste, em Alagoas e no Piauí, utilizam também energia alternativa, proveniente de pequenas centrais hidrelétricas e de usinas de biomassa, baseadas no reaproveitamento do bagaço da cana-de-açúcar. O gás natural - mais limpo do que o liquefeito de petróleo (GLP) - já é utilizado em sete supermercados.
Na área de gestão de resíduos, a meta é eliminar todo o lixo enviado para os aterros sanitários com a ajuda de um trabalho de gerenciamento de material descartável. Ao mesmo tempo, gera-se trabalho e renda para catadores, por meio de parcerias com associações apoiadas pelo Instituto Wal-Mart. Na Bahia, 33 lojas destinam plástico e papelão para a Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava-Caec. "Esse projeto deve ser copiado em todo o país e ajudará a desenvolver cooperativas locais."
Na área de produtos sustentáveis, o Wal-Mart pilota iniciativas como o Clube do Produtor, no Sul do Brasil. Trata-se de um programa de apoio à produção, qualificação e comercialização de itens perecíveis, de pequenos e médios produtores, que contribuam para fomentar a agricultura familiar. A iniciativa envolve 252 fornecedores em 121 cidades e deve ser espalhada para as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Em 2008, o Wal-Mart deve tirar do papel uma loja-modelo que abrigará mais de dez iniciativas de sustentabilidade. "A idéia é testar novas tecnologias para que todas as unidades operem de forma mais eficiente. É um caminho sem volta", afirma Trius
Essa mesma trilha é perseguida pelo Pão de Açúcar, desde o final dos anos 90. "Mesmo antes de todo mundo falar de sacolas retornáveis, nós já entregávamos, há dois anos, modelos feitos de TNT (tecido não tecido)", lembra Beatriz Queiroz, gerente de sustentabilidade no consumo do grupo varejista, que deve investir, somente este ano, R$ 18 milhões em ações relacionadas à sustentabilidade, desenvolvimento comunitário e bem-estar pessoal.
Um dos carros-chefes da abordagem ecologicamente correta da companhia é a reciclagem do lixo. O projeto Estações de Reciclagem Pão de Açúcar Unilever já coletou, desde o seu lançamento, em 2001, 17 mil toneladas de material em 98 pontos de coleta, distribuídos em 20 cidades. O programa recebe, em média, 322 toneladas de resíduos por mês e gera 350 empregos para atendentes, coletores e triadores, em 17 cooperativas de trabalho.
Desde o início do mês, 30 lojas da rede também passaram a receber óleo de cozinha usado, que será encaminhado para a produção de biocombustível. Outra iniciativa do grupo é o programa Caras do Brasil, lançado em 2002. Presente em 37 lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro, é um espaço para a venda de produtos sustentáveis de microempresas, ONGs e artesãos. Para participar, o fornecedor passa por um rigoroso vestibular de adesão às políticas de sustentabilidade, que abrigam inclusão social, geração de renda e o respeito ao meio ambiente, além do repúdio ao trabalho infantil.
A construção e a manutenção das lojas também respeitam os mantras da sustentabilidade, com a redução do impacto da operação sobre o meio ambiente e ações de eficiência energética. Desde 2000, há trabalhos de gestão do uso da energia, como um programa de racionalização que planeja cortar em 30% o consumo da força nas câmaras frigoríficas, evitando receber mercadorias em horários de pico.
A Natura, da área de cosméticos, inova no seu modelo de negócio sustentável desde que começou a fabricar refis, em 1983. Em 2006, a porcentagem de refis vendida representou 19,8% sobre os itens faturados, um crescimento de 2,5% em relação ao ano anterior. Desde o início da venda dos refis, 2,2 mil toneladas de embalagens deixaram de ser colocadas no mercado.
Desde 2000, a Natura implementou embalagens feitas com 30% de material PET reciclado, a substituição gradual do álcool comum pelo orgânico nas fórmulas dos produtos e a intenção de se tornar neutra em carbono a partir de 2007. "É o compromisso com a sustentabilidade que nos permite assumir a responsabilidade de neutralizar as emissões, a partir deste ano", sustenta Alessandro Carlucci, diretor presidente da Natura. FONTE: Valor Econômico ? SP