Moinhos determinarão o tipo e a qualidade do trigo que desejam, enquanto os produtores terão garantia de compra pelas indústrias
MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO
O conturbado mercado de trigo, enfim, tem uma boa notícia neste ano. Na próxima safra, os moinhos paulistas vão financiar produtores e garantir a compra do produto. As duas pontas podem ficar satisfeitas. Os moinhos porque vão determinar o tipo e a qualidade do trigo que desejam. Os produtores porque vão ter garantia de compra pela indústria.
A operação, que será feita entre produtores e o Sindustrigo (Sindicato da Indústria de Trigo no Estado de São Paulo), tem, ainda, a participação do Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes da Cati (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
"Há uma triangulação", diz Armando Azeredo Portas, diretor do departamento. A Secretaria da Agricultura indica os produtores, e os moinhos financiam a semente.
A função do governo estadual é fornecer sementes de qualidade, adaptadas às regiões específicas de produção. Essas sementes devem atender, ainda, às necessidades dos moinhos, que vão determinar se querem variedades próprias para pão, bolachas, biscoitos ou triticale, que pode ser usado como "blend" na farinha de trigo para a produção de determinados derivados de trigo.
Os principais pontos positivos desse programa, segundo Portas, são a possibilidade direta de contratos entre moinhos e produtores; a encomenda da variedade de trigo desejada pelos moinhos; e os produtores vão receber dos moinhos as sementes, que somam 20% dos custos de produção.
O plantio de um hectare de trigo exige de 150 a 180 quilos de semente. No caso do milho, esse volume é de 20 quilos, e, no de girassol, de só 4 quilos.
O programa, que está sendo denominado "Ação governamental: trigo paulista com qualidade", visa o aumento da área de plantio, da produção e da produtividade das variedades colocadas à disposição dos agricultores em São Paulo.
Ao Estado cabe testar novos cultivares de trigo e de triticale, produzir e disponibilizar sementes de qualidade e dar orientação técnica aos produtores. Aos moinhos, assim como ao Estado, compete, ainda, buscar com órgãos competentes linhas de crédito e de seguro agrícola com preço diferenciado. As ações visam, ainda, reduzir custos de produção, incluindo seguros, fretes e impostos.
Já os produtores devem fazer o seguro da lavoura, cumprir os contratos com os moinhos, fornecendo trigo de qualidade, sem misturas. O produtor deverá entregar pelo menos 50% do volume produzido para o moinho e terá descontado dois quilos de grãos para cada quilo de semente que recebeu na época do plantio.
Valores
Os valores pagos aos produtores pelo trigo serão os praticados no dia pelo mercado. Os moinhos ficam responsáveis pelo pagamento das sementes ao Departamento de Sementes.
O plano começa modesto, mas a previsão é que a adesão dos produtores cresça a cada ano. Na próxima safra, estarão à disposição dos agricultores 70 mil sacas de 50 quilos de trigo e de triticale, permitindo o plantio de 22 mil hectares, pouco menos da metade do que é cultivado hoje em São Paulo, diz Portas. A produção seria de 60 mil toneladas. No ano seguinte, o Departamento de Sementes estima dobrar o volume.
Um dos objetivos da Secretaria de Agricultura é fazer com que mais agricultores coloquem o trigo em seus esquemas de rotação de culturas. O programa começa nas regiões do Vale do Paranapanema, sul e sudoeste do Estado.
"O objetivo, no entanto, é trazer mais áreas de produção à cultura do trigo, como Mogiana e Vale do Paraíba. O Estado, que hoje planta 60 mil hectares, tem áreas de 500 mil hectares apropriadas para o cultivo do trigo", diz Portas.
"Essa ação governamental vai permitir, ainda, a rastreabilidade do produto no futuro, valorizando o trigo", diz o diretor do Departamento de Sementes. Os contratos podem incluir exigências específicas no uso de agrotóxicos, o que vai garantir melhor qualidade à farinha dos moinhos.
Portas não descarta a adoção do sistema também em outros Estados produtores de trigo, mas isso dependerá do interesse dos moinhos dessas regiões.
Um ano difícil
O aumento de produção interna é uma garantia de abastecimento para os moinhos, que estão vivendo momentos difíceis nas mãos da Argentina neste ano.
O consumo brasileiro é de 10 milhões de toneladas por ano, sendo que dois terços são importados. O tradicional fornecedor ao Brasil sempre foi a Argentina, que, neste ano, limitou as exportações para garantir o abastecimento interno e segurar a inflação.
O governo argentino impôs taxa de exportação de 28% sobre o produto e, mesmo assim, manteve o mercado fechado às exportações durante parte do ano.
Ao mesmo tempo em que impõe forte taxação sobre as exportações do trigo em grão, o governo mantém baixa a alíquota de exportação sobre a farinha de trigo, incentivando as vendas externas do produto. O resultado é que os brasileiros, pagando US$ 100 a mais pela tonelada de trigo, perderam a competitividade na produção da farinha. O produto argentino, devido à política tributária do governo vizinho, chega às padarias brasileiras por R$ 48 a saca de 50 quilos. Só o custo de produção no Brasil é de R$ 57 por saca. FONTE: Folha de São Paulo ? SP